Intervenção, Debate: Alternativas à crise na União Europeia, promovido pelo PCP e GUE/NGL

Intervenção de Carina Castro, no debate sobre «Alternativas à crise na União Europeia: Direitos, Produção, Solidariedade e Soberania»

Como no resto na Europa e do mundo capitalista, a juventude portuguesa vê-se confrontada com um gravíssimo ataque aos seus direitos, em todas as esferas da sua vida. Conquistas históricas da juventude do nosso país, possíveis através da luta de gerações e consagradas na Constituição da República Portuguesa, emanada da Revolução de Abril, têm encontrado ao longo dos últimos 35 anos novas fases de ofensiva, de velhas políticas que procuram eliminar estas conquistas. Primeiro com a contra-revolução (questão transversal desde então), depois com a adesão de Portugal à União Europeia, com um novo fôlego com a queda da URSS e agora com o aproveitamento da Crise sistémica do capitalismo.

É neste contexto que apesar de a CRP consagrar no seu artigo 70, protecção especial para os jovens no acesso à educação, ao emprego, ao lazer e à cultura, a realidade é a tentativa de, pela prática, pela lei e pela ofensiva ideológica, criar uma geração sem direitos e resignada.

No plano do emprego, a realidade é marcada pelo desemprego – cerca de 800 mil desempregados, em que metade tem menos de 35 anos - e a precariedade – há cerca de 500 000 jovens trabalhadores com vínculo precário. Locais de trabalho como call-centers e as grandes superfícies são caracterizados por uma grande concentração de jovens que muitas vezes trabalham o 1º mês sem contrato, e após esse período têm contratos de um mês, uma semana ou mesmo 1 hora. Ao fim do tempo legal para a contratação a prazo, ou passam a ser contratados pela mesma empresa com outro nome, ou são mantidos ilegalmente em situação precária, ou são mesmo despedidos. Agora, muito provavelmente sem direito a receber a subsídio de desemprego, já que as regras de atribuição foram alteradas e porque a sua grande maioria trabalha em regime de prestação de serviços. Também noutros sectores é de ofensiva que falamos, dentro de uma mesma empresa, com as mesmas funções, encontramos trabalhadores efectivos, com vínculo à empresa, e outros – por norma jovens – subcontratados por empresas de trabalho temporário, com menos direitos e salários mais baixos. Estima-se que um trabalhador precário, renda ao capital cerca de 30% de lucro, face a um trabalhador efectivo. Outro elemento desta ofensiva de velhos ataques, é o regresso das praças de jorna, nomeadamente na agricultura (o que ainda resta dela) com milhares de jovens no sul do país, a trabalharem ao dia, sem contrato, durante dois ou três meses no ano, após os quais só resta emigrar. É ainda frequente encontrar jovens trabalhadores que omitem as suas qualificações para trabalhar.

Por tudo isto, uma das reivindicações centrais da juventude trabalhadora é que a um posto de trabalho permanente corresponda um vínculo de trabalho efectivo, assim como o combate aos falsos recibos verdes. Exigimos o direito ao emprego com direitos. Certos, de que só com o aumento da produção nacional é possível criar mais postos de trabalho, e resolver os problemas da economia nacional.

Parte desta ofensiva, também, encontra-se no plano ideológico. Não só com a ideia de que temos todos de contribuir para que o país ultrapasse a crise, de que fazer sacríficos é ser patriota, mas também com instrumentos que procuram ser bolsas de contenção face ao sentimento real de indignação de quem trabalha, face à crise, como se algo de novo se tratasse. Teorias como, que trabalhadores precários se devem organizar em movimentos sociais e não nos seus sindicatos de classe e teorias de que as redes sociais, são por si só,o instrumento maior de esclarecimento de mobilização. Nós dizemos, que a exploração tem de ser combatida por todos trabalhadores, e isso quer dizer que a precariedade é um problema de toda a classe operária, e que cabe, hoje como sempre é a luta organizada e consequente, de massas, nos sindicatos de classe, a partir dos locais de trabalho, travará a ofensiva de que somos alvo.

No plano da educação, com o aproveitamento da crise, aprofundou-se o caminho de privatização e elitização. Cortou no financiamento e encerrou cerca de 3500 escolas.

No ensino secundário, iniciou-se uma estratégia que tem como objectivo que metade de todos os estudantes sejam frequentadores do ensino profissional. Um sub-sistema cujo capital pretende que seja a escola dos filhos dos trabalhadores, sem perspectivas de acesso ao ensino superior, e cujo objectivo é produzir rapidamente trabalhadores com baixas qualificações académicas, o mais rápido possível, com estágios não remunerados, de que muitas empresas se vão valendo.

No ensino secundário regular, há desde há dois anos uma empresa pública que detentora das infra-estruturas das escolas, que sendo responsável pelas obras de manutenção, vai depois cobrar cerca de 50,000€ mensais de renda a essas escolas. Os custos de frequência são cada vez mais elevados, com cada família a gastar em média, no início de cada ano lectivo, cerca de 600€ em manuais escolares e outros materiais. E chamam-lhe ensino público. O analfabetismo e abandono escolar voltaram a ganhar terreno. Extinguiram-se gabinetes de psicologia, os apoios sociais foram reduzidos. É posto em prática uma espécie de código penal das escolas, em que rapidamente o director da escola pode expulsar os “indisciplinados”.

Neste quadro defendemos um ensino profissional em igualdade de direitos com o sistema geral, de acesso ao ensino superior e de estágios remunerados. Defendemos uma escola pública, gratuita, de qualidade e democrática para todos, com a extinção da empresa parque escolar, a gratuitidade dos manuais escolares, uma escola inclusiva, assim como o reforço do financiamento para a educação.

No ensino superior, reduziu-se o financiamento em cerca de 12%, num contexto em que as propinas do 1º ciclo custam cerca de 1000€ e no 2º ciclo podem chegar aos 35000€. Na acção social, a realidade é também de cortes, com privatização de serviços e consequente aumento de custos para os estudantes.

As bolsas de estudo são cada vez mais atribuídas tardiamente, empurrando os estudantes para empréstimos bancários. Este ano os serviços sociais decidiram avançar o valor das bolsas aos candidatos, e agora exigem a devolução por inteiro do valor adiantado. Privatizou-se serviços das escolas e introduziram-se representantes de empresas na gestão das escolas, no lugar dos estudantes. Ano após ano são milhares os estudantes que abandonam o ensino por falta de condições económicas. Entendemos que a questão central nesta matéria é o financiamento, e que só com mais financiamento do Estado é possível ter um ensino superior público, gratuito para todos. Porque a educação é e tem que ser responsabilidade do Estado. Exigimos o fim das propinas, o reforço da acção social plena – nas residências, bolsas de estudo, mas também na saúde, deporto e cultura – exigimos a retirada de Portugal do Processo de Bolonha.

Também no plano da ofensiva ideológica, as condições hoje são mais difíceis. Nos manuais escolares assistimos a uma reescrita da história, com a equiparação do nazismo ao comunismo, uma educação não baseada na ciência mas em conceitos burgueses: só há um modelo de economia, o capitalismo é o fim da história, não há luta de classes, não há ideologias. Há ainda uma linha clara de tentativa de criminalização dos que resistem. Proibição de realização de RGA’s, de constituição de AE’s; atropelos à actividade sindical; tentativa de proibição da actividade da JCP. Intimidação sistemática dos participantes e organizadores de manifestações. E a lei actual é clara sobre esta matéria. É neste quadro que exigimos o cumprimento da CRP no que toca às liberdades e direitos democráticos, assim como nos demais direitos da juventude.

A crise deixa mais claro que o capitalismo se revela incapaz de dar satisfação aos interesses e aspirações da juventude, dos trabalhadores e dos povos.

Pelo reforço da unidade, em torno de problemas concretos, revelando as opções e medidas de fundo que originam esses problemas, seremos capazes de reforçar a luta, e a consciência da juventude portuguesa, sendo possível vencer a batalha da ideologia dominante, incutindo maior confiança em todos aqueles que são atingidos por estas políticas, de que está nas suas mãos a alteração do rumo do país. 

Os tempos são ainda de resistência e acumulação de forças. Mas são também tempos de reais possibilidades revolucionárias. Prova disto é que a juventude portuguesa, apesar da ofensiva, prossegue e reforça a luta. Prova disto foi a grandiosa greve geral, a 24 de Novembro, com mais de 3 milhões de trabalhadores em greve, assim como as lutas sectoriais e por local de trabalho, que passo a passo aprofundam a consciência de classe dos trabalhadores portugueses. No ultimo dia 19, a grande manifestação nacional da CGTP, a maior manifestação desde a greve geral, juntou milhares de jovens trabalhadores, e assim será também no dia 1 de Abril, na manifestação de jovens trabalhadores convocada pela CGTP e a Interjovem.

Também no plano estudantil o ano lectivo tem sido marcada por grandes acções de luta, como o dia 17 de Novembro em que mais de 10,000 estudantes se juntaram numa grande manifestação em Lisboa, e nos dias 10 de Novembro e 24 de Fevereiro, em que milhares de estudantes do ensino secundário estiveram em luta. Tal como o dia de ontem, dia nacional do estudante, em que milhares de estudantes de todos os sectores, lutaram pela educação a que têm direito. O dia de ontem, foi também marcado pela consciência que a demissão do Governo, por si só não altera o rumo do país, e que é necessário exigir a ruptura e mudança com as políticas seguidas.

No plano internacional, julgamos que o momento é também de unidade, com todas as forças progressistas, democráticas e comunistas que estejam empenhadas no reforço da luta anti-imperialista, e é assim que consideramos que no plano internacional a FMJD como a nossa prioridade, o maior espaço de troca de experiências de luta e resistência da juventude anti-imperialista de todo o mundo. É também neste quadro que valorizamos a realização do 17º FMJE, na África do Sul, em Dezembro com mais de 15,000, lutando pela soberania, a paz e por profundas transformações sociais que concretizem os direitos da juventude por todo o mundo.
 
Sabemos que o capitalismo, e as suas crises, não são o fim da história, assim como cremos que temos ainda um caminho longo a percorrer de unidade e aprofundamento da consciência das massas juvenis, para que tomem o futuro nas suas mãos, sabendo que esse futuro é o socialismo, e que só no socialismo será possível satisfazer as necessidades e anseios da juventude.

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