Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Hoje os mais ricos ganham 10 vezes mais que os mais pobres"

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Debate quinzenal com o Primeiro-Ministro sobre questões de relevância política, económica e social

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Estava a ouvi-lo a exercitar a propaganda sobre a taxa de retenção de 70% dos estágios.
Ora, há mais de um mês solicitámos ao Governo esclarecimentos concretos sobre a listagem das empresas que procederam à contratação em termos de jovens trabalhadores, solicitámos os dados discricionários por distrito e por setor de atividade. E sabe qual foi a resposta do Governo, Sr. Primeiro-Ministro? Nenhuma! Mas isso não o impede de vir aqui fazer propaganda, não respondendo às perguntas do PCP, que é um direito constitucional e regimental que temos. Nesse sentido, é mera propaganda aquilo que disse enquanto não responder às nossas perguntas.
Sr. Primeiro-Ministro, volto a insistir no debate interessantíssimo sobre a teoria do «quem se lixou não foi o mexilhão, foi quem tinha mais» — essa foi uma expressão que usou. Mas, apesar da intervenção o Sr. Deputado Ferro Rodrigues, o Sr. Primeiro-Ministro não respondeu.
Sr. Primeiro-Ministro, creio que essa afirmação demonstra precisamente insensibilidade social e ofende os milhares de portugueses que sofreram duramente os resultados desta política. Falamos do aumento do desemprego nestes três anos do seu Governo e daqueles que viram as suas pensões, os seus salários ou cortados ou congelados.
Verificamos que, em termos estatísticos, hoje, com o seu Governo, existem mais 600 000 pobres. Então, explique lá essa teoria do «quem se lixou não foi o mexilhão». Do seu ponto de vista, quem era pobre pobre ficou e quem se lixou foram aqueles que, não sendo pobres, passaram a ser. É destes que fala, Sr. Primeiro-Ministro? Daqueles que caíram no desemprego? Daqueles que perderam o apoio social? Daqueles que tiveram que empenhar a casa? Daqueles que viram os salários penhorados devido às dificuldades? É destes que fala, Sr. Primeiro-Ministro?
Não seja insensível, Sr. Primeiro-Ministro! Eu percebo que faça propaganda, porque uma propaganda ajuda sempre uma causa, mas não minta assim nem tenha essa insensibilidade por quem hoje está a sofrer devido a esta política do seu Governo.
Nestes debates, temos, muitas vezes, confrontado a nossa palavra uma contra a outra, mas, Sr. Primeiro-Ministro, dizer que a sua política não agravou as desigualdades… Ó Sr. Primeiro-Ministro, porque gosta de recorrer a instituições, que, enfim, são insuspeitas do seu ponto de vista, quero dizer-lhe que a OCDE veio revelar — já o sabíamos — que, afinal, o fosso entre ricos e pobres está agora ao pior nível dos últimos 30 anos! Não sou eu quem o diz, não é o PCP que o afirma, é a OCDE! Ou seja, hoje os mais ricos ganham 10 vezes mais que os mais pobres.
E não venha com o argumento de que a Grécia está pior! Até podemos dizer que estamos melhor do que o Biafra!
Mas é isso que o consola, Sr. Primeiro-Ministro?!
Nós consideramos que, nessa matéria, afinal, quem se lixou foi quem menos tem e quem menos pode. Mesmo aqueles que tinham uma vida remediada, hoje estão a sofrer nas suas vidas a consequência de uma política desastrosa, que é a do seu Governo.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Se não quer a acusação faça a demonstração. Foi aquilo que procurámos fazer, e a falta de resposta foi do Governo e não da nossa parte.
Portanto, nesse sentido mantemos a dúvida, a crítica e a acusação enquanto não for demonstrado pelo Governo aquilo que apenas serve aqui, como digo, para mera propaganda.
Sr. Primeiro-Ministro, também aqui foi referido — e creio que era importante aprofundar — que o Governo está a libertar, a democratizar, que este País estava aprisionado por grupos económicos e que os donos do País estão a desaparecer. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, como é que é possível tal afirmação por parte de um Governo que não tem feito outra coisa que entregar aos grupos económicos, aos grandes interesses, ao grande capital estrangeiro o domínio da nossa economia, da economia portuguesa?
Que credibilidade tem uma afirmação desta natureza perante um Governo que vê a PT ser desmantelada e não mexer uma palha para defender o interesse nacional?
Que credibilidade pode ter a afirmação quando pretende entregar tudo, mesmo tudo, o que resta do património público deste País ao estrangeiro, como acontece agora com a TAP e com a decisão da sua privatização? É injustificável, é inaceitável, uma decisão que nós consideramos um crime contra os interesses nacionais e que revela, Sr. Primeiro-Ministro que este Governo não tem um mínimo de brio patriótico.
É que a TAP é a maior exportadora nacional, assegura milhares de postos de trabalho, faz entrar anualmente na segurança social mais de 100 milhões de euros, contribui com outro tanto para o IRS. A TAP é uma empresa âncora para o setor do turismo, fundamental para garantir a unidade e a mobilidade em todo o território nacional, especial para a ligação com as comunidades portuguesas no estrangeiro, garante uma capacidade elevada de investigação, de manutenção e de desenvolvimento técnico no setor da aviação civil. Tem um capital humano ímpar no plano dos trabalhadores, dos quadros técnicos. E, Sr. Primeiro-Ministro, este Governo quer privatizar a TAP. Por isso, não são os donos deste País que estão a desaparecer, o que está a desaparecer é o património público de todos os portugueses, que é entregue de mão beijada aos grandes grupos económicos e ao estrangeiro. Essa é que é a realidade e não essa conversa que vem para aqui apresentar.

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