Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

"O Governo que aqui se apresenta é um Governo sem legitimidade política, social nem eleitoral"

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(propostas de lei n.os 254/XII/4.ª e 253/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Membros do Governo:
A conclusão óbvia que resulta deste debate é a confirmação de que este Orçamento do Estado para 2015 não pode resolver os problemas do País porque não é essa a intenção do Governo PSD/CDS nem o objetivo da política de direita.
Aumentar a dívida, renovar cortes e congelamentos de salários e pensões que deviam estar a ser pagos integralmente, agravar a injustiça fiscal sobre quem trabalha e reduzir impostos às grandes empresas, destruir serviços públicos ou entregar empresas públicas a grandes interesses económicos pode traduzir a natureza da política de direita mas não dá aos portugueses e ao País esperança e confiança no futuro.
Discutimos o Orçamento num momento em que os funcionários públicos olham para o seu recibo de vencimento e encontram os cortes salariais impostos pelo PS no PEC de 2011, mas agora pela mão de Passos Coelho e Paulo Portas.
O facto de o Governo PSD/CDS ter recuperado, em 2014, os cortes salariais do PEC de 2011 tem a virtude de revelar com cristalina clareza o aspeto central do que hoje aqui discutimos.
O que estamos hoje a discutir não é apenas o Orçamento do Estado para o ano de 2015. Estamos a discutir um projeto político que tem na política de direita antecedentes velhos e intenções de se perpetuar.
Um projeto político que atravessa décadas de governos que criaram os embriões dos monstros como o BPN, o BES, o Grupo Espírito Santo e outros, que hoje consomem os salários, as pensões e os direitos fundamentais dos trabalhadores para satisfazer a sua insaciável gula pelo lucro ou em nome dos prejuízos que deixam para que outros os paguem.
Um projeto político que afundou o País no endividamento e na dependência, em nome dos interesses do grande capital da integração europeia e dos seus espartilhos económicos, financeiros e monetários, como o euro, cujas consequências são hoje dramaticamente sentidas nas vidas dos povos a quem os governos apresentam a fatura mas a quem recusam a possibilidade de decidir por um destino diferente.
Um projeto político que pôs Portugal de joelhos perante especuladores estrangeiros e o capital transnacional, constituído em troica, dando ordens em alemão, diligentemente traduzidas pelo Presidente da Comissão Europeia, exigindo que durante décadas o povo português entregue a riqueza que cria com o seu trabalho para pagar uma dívida que não contraiu, não autorizou que fosse contraída e que não para de aumentar.
Um projeto político que encontrou na Revolução de Abril uma derrota com a qual não se quis conformar, que vê na democracia um espartilho e na Constituição um obstáculo às suas ambições e que, à custa da degradação do regime democrático, tem procurado conquistar terreno e poder perdidos.
Este é um projeto político que tem nos protagonistas governamentais de hoje meros atores, que amanhã serão descartados da mesma forma que os de ontem foram, quando deixaram de servir os propósitos para que foram investidos em Ministros ou Secretários de Estado.
É nessa rotatividade da alternância sem alternativa que a política de direita tem gerado as ilusões com que alimenta o descontentamento popular e é dela que certamente procurará uma vez mais lançar mão aquando da consumação da derrota do Governo que, hoje, aqui se nos apresenta já derrotado.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Membros do Governo,
Apesar de recuperados, em 2014, os cortes salariais do PEC de 2011, nestes quase quatro anos o tempo não parou e a governação de Passos Coelho e Paulo Portas não foi apenas um pesadelo do qual pudéssemos acordar incólumes a toda a pobreza, miséria e desespero criados pela mão do Governo do PSD e do CDS.
Nem tampouco essa realidade dramática foi a realidade vivida por todos os portugueses. Como repetidamente afirmaram, ao longo desta Legislatura, Deputados e governantes do PSD e do CDS, não é possível dar tudo a todos. E confirmaram-no na sua ação.
Para entregarem, em quatro anos, 31 000 milhões de euros em juros aos especuladores e 12 000 milhões de apoios à banca, aumentaram a dívida em mais 51 000 milhões de euros, cortaram salários, pensões e prestações sociais.
Para favorecerem os negócios privados da saúde e da educação cortaram mais de 2 000 milhões de euros à escola pública e 1800 milhões à saúde.
Como não podem dar tudo a todos, para repetirem, em 2015, a redução de impostos aos grupos económicos e à banca no IRC, que iniciaram, no ano passado, com o apoio do PS, aumentam, agora, em 2015, a injustiça fiscal sobre os trabalhadores com um aumento generalizado dos impostos indiretos por via da falsamente designada fiscalidade verde, que acresce aos 11 000 milhões de euros de aumento acumulado em IRS por referência a 2012.
Para reduzirem os salários, despediram mais de 72 000 funcionários públicos, empurraram e mantiveram no desemprego mais de um 1 400 000 trabalhadores, cortaram subsídios e prestações sociais e obrigaram desempregados e estagiários a trabalhar por um prato de lentilhas.
Asseguraram os lucros dos grupos económicos, mas, para isso, impuseram o trabalho não pago, com o aumento dos horários de trabalho, o corte no pagamento do trabalho suplementar ou a eliminação de feriados.
Alargaram as áreas de negócio de vários grupos económicos nacionais e estrangeiros, mas, para isso, prejudicaram o Estado e o País com as privatizações e concessões de empresas e de património público.
Para atingirem a marca dos 10 000 milionários geraram 2 600 000 pobres.
De tudo isto resulta a dramática realidade que milhões portugueses vivem todos os dias no seu País e que forçou mais de 300 000 a emigrar.
Perante esta realidade, governantes e Deputados do PSD e do CDS afirmam o seu orgulho com os resultados alcançados. Mas depois fogem para as previsões do futuro, porque por essas não podem ser, para já, responsabilizados.
Desprezando as dificuldades dos portugueses, repetem a ladainha com que se arrastaram no poder e a que agora, em fim de mandato, tentam dar mais volume e mais aplausos.
O Governo que aqui se apresenta a defender o Orçamento é um Governo derrotado pela sua própria política, um Governo sem legitimidade política, social nem eleitoral.
Um Governo que há muito devia ter sido demitido, não à peça, mas em bloco, muito antes de ter criado o caos na justiça ou na educação.
Um Governo que há muito devia ter sido demitido pela política que executa, pela violação da Constituição, por desrespeitar os portugueses e os compromissos eleitorais que com eles assumiu e não por uma questão técnica de preparação do Orçamento do Estado.
Um Governo que, em nome da estabilidade política, foi mantido em funções pelo Presidente da República que até hoje não encontrou nenhum fator de instabilidade no facto deste Governo PSD/CDS ter apresentado 12 propostas — 12! — de Orçamentos do Estado e retificativos em menos de quatro anos de mandato.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Membros do Governo:
O debate do Orçamento do Estado fica marcado por um elemento que, pela sua gravidade, não pode deixar de ser registado.
Este Governo tem ocultado das contas públicas milhares de milhões de euros em benefícios fiscais que concede a grandes empresas, que não inscreve na Conta Geral do Estado e pelos quais se recusa a responder.
Apesar de confrontada várias vezes pelo PCP, de ter sido alvo de uma auditoria pelo Tribunal de Contas, que confirmou as nossas denúncias, de ser obrigada pelo Tribunal de Contas a clarificar a situação, a Ministra das Finanças remete-se a um absoluto silêncio sobre a matéria. Exigimos, uma vez mais, saber o que esconde esse silêncio sobre as negociatas de milhares de milhões de euros que o Governo continua a fazer às escondidas dos portugueses, à margem das contas públicas e à revelia das leis da República.
Mas o que marca decisivamente este debate é uma afirmação do Primeiro-Ministro, na sua intervenção inicial, quando disse, e cito: «Em 2015 faremos o que temos vindo a fazer desde 2011».
Atreveu-se, até, a dizer mais, sobre a devolução integral dos salários em 2016, a que foi obrigado pelo Tribunal Constitucional, e cito novamente: «Se for Primeiro-Ministro serei congruente com aquilo que defendi, reposição à razão de 20% ao ano, e, portanto, irei propor que, em 2016, haja uma nova reversão de 20% dos salários dos portugueses». Ou seja, o que o Primeiro-Ministro anuncia é que, por sua vontade, haverá novos cortes nos salários entre 2016 e 2018.
Quem reveja as imagens desse momento há de encontrar no Vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas a expressão facial que Garcia Márquez negou à personagem Santiago Nasar perante a morte anunciada na primeira linha da sua Crónica e que, certamente, o irrevogável Ministro aqui vislumbrou politicamente, já a pensar na data das próximas eleições.
Mas que não haja ilusões: aqueles que têm acumulado fortuna à custa da crise de quem trabalha não vão querer abrir mão do que amassaram e, se não for com este Governo, hão de querer encontrar outro que sirva os seus interesses.
Os especuladores hão de querer um Governo que rejeite a renegociação da dívida e pague todos os juros até ao último cêntimo.
Os banqueiros hão de querer um Governo que não conteste as orientações da União Europeia e que obrigue os povos a pagar os prejuízos dos bancos.
Os grupos económicos hão de querer um Governo que lhes garanta mais exploração dos trabalhadores, novas reduções da taxa do IRC ou lhes permita que deixem de pagar impostos em Portugal, para que também não os paguem num qualquer paraíso fiscal para onde transfiram as suas sedes.
A tudo isto é preciso que se oponha a força do povo, de todos os democratas e patriotas, para que Portugal tenha futuro.
Aqueles que, com o seu trabalho, criam a riqueza deste País terão de encontrar as formas e as forças para impedir que tal aconteça e para inverter o rumo de afundamento a que nos querem condenar.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Sr.as e Srs. Membros do Governo:
Não se iludam porque a roda da História não para e os portugueses hão de construir a política patriótica e de esquerda que se impõe para a solução dos problemas nacionais.
Os salários que os senhores hoje confiscam hão de ser recuperados; as pensões que hoje cortam hão de ser repostas; o apoio à maternidade e às crianças, o abono de família hão de ser restabelecidos e ampliados; o desemprego e a doença hão de voltar a ser circunstâncias enfrentadas com dignidade e com a solidariedade coletiva de um sistema da segurança social que reponha as prestações e os apoios sociais que os senhores hoje negam.
As empresas públicas que hoje os senhores entregam aos interesses de que continuam a ser meros serventuários, hão de, amanhã, voltar às mãos de um Estado nas mãos do povo e ao serviço do povo.
Os micro, pequenos e médios empresários, os pequenos e médios agricultores, os pescadores, vítimas da voragem do grande capital que os senhores apoiam, hão de ter o apoio e estímulo à sua atividade.
É a luta do povo por essa política alternativa que o PCP propõe que há de derrotar este Orçamento, este Governo, a política de direita e abrir caminho a um futuro de progresso, desenvolvimento e justiça social.
É essa política alternativa que também no Orçamento do Estado afirmaremos, com as propostas que havemos de apresentar.

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