Intervenção de Agostinho Lopes, membro do Comité Central, Debate «O Euro e a dívida – défices estruturais»

«O euro não foi um problema de ignorância, foi e é uma opção política do grande capital e das potências dominantes da Europa»

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Caros amigos e camaradas

Começaria por renovar as saudações e o nosso agradecimento pela vossa presença nesta iniciativa do PCP.

Permitam-me que destaque nesta saudação o Professor João Ferreira do Amaral.

Ao longo deste anos de combate político à União Económica e Monetária (UEM) e ao Euro, o Professor João Ferreira do Amaral, nada tendo a ver com o PCP em termos de filiação partidária, foi base segura de reflexão e argumentação sérias e rigorosas, que muitas e muitas vezes utilizamos na fundamentação das nossas posições contra o Euro. As suas intervenções nos órgãos de comunicação social (que, infelizmente, foram reduzidas) ao longo destes anos algumas vezes foram igualmente motivo para intervenções na Assembleia da República. Por isso, também, é com grande satisfação que o temos neste nosso Debate.

1. O Euro e o PCP (pro memoria)

Particularmente a partir da chamada crise das dívidas soberanas, uma epidemia «amnésica» atacou alguns comentadores e articulistas, alguns «economistas», alguns «políticos» que, perante a difícil situação económica e financeira do País, passaram (e com razão) a questionar o Euro e a adesão ao Euro. O «esquecimento» de que no processo para a adesão – Sistema Monetário Europeu (SME), Tratado de Maastricht, entrada em circulação do Euro – houve um partido político, o PCP, que, atempadamente e de forma fundamentada, contestou a UEM e o Euro. Mas não somos só nós os «esquecidos»!

Uma doença «similar» dos que, na década de 90, quando se iniciou o processo de adesão, desvalorizaram, silenciaram, alhearam-se, quando não tentaram apoucar – «o PCP é sempre do contra» – as posições estudadas, fundamentadas, consolidadas, dos comunistas e do PCP. (Problema que, na nossa opinião, não atingiu só o PCP, mas também gente como o Professor João Ferreira do Amaral).

Hoje, quando falam destas coisas, deviam, senão fazer mea culpa, reconhecer a justeza ou, pelo menos, a razoabilidade do que então dissemos e escrevemos.

Em grande parte são os mesmos que, no plano dos partidos que defenderam a adesão (PS, PSD e CDS), aqui e na União Europeia, substituíram o grande debate nacional que deveria ter sido feito, e um consequente referendo (como o PCP também propôs), por uma enorme campanha de propaganda, cheia de meias verdades e inverdades absolutas, quando não tentando passar aos portugueses um atestado de menoridade mental.
Propaganda para justificar o facto consumado do Euro aos cidadãos, a quem se recusou o direito de participar na decisão de adesão à UEM.
Propaganda que, como dissemos então, ocultava os enormes riscos económicos, sociais e políticos da moeda única para Portugal, e assim se desarmava o País para os problemas que aí vinham!

De facto, não estavam interessados (PS, PSD e CDS) numa séria análise e escrutínio dos problemas e consequências da adesão ao Euro, mas apenas justificar a opção/projecto político do Euro junto dos portugueses. Projecto político que, no plano interno, consolidava a recuperação capitalista em curso, e, no plano da Europa, o caminho de um federalismo controlado/dirigido pelo Directório das potências dominantes e de plena adopção do neoliberalismo.

2. O projecto político do Euro

O PCP não tinha dúvidas sobre os objectivos desse projecto político.

Numa das muitas iniciativas do PCP na AR (Interpelação sobre a Moeda Única), a 20 de Março de 1997 (faz amanhã 16 anos), Carlos Carvalhas, então Secretário-geral do PCP, afirmava:

«A moeda única é um projecto ao serviço de um directório de grandes potências e de consolidação do poder das grandes transnacionais, na guerra com as transnacionais e as economias americanas e asiáticas, por uma nova divisão internacional do trabalho e pela partilha dos mercados mundiais.

A moeda única é um projecto político que conduzirá a choques e a pressões a favor da construção de uma Europa federal, ao congelamento de salários, à liquidação de direitos, ao desmantelamento da segurança social e à desresponsabilização crescente das funções sociais do Estado.»

(Isto tem alguma coisa a ver com a realidade do País hoje?)

E o PS, PSD e CDS, e o então governo PS de António Guterres também não tinham dúvidas. Questionado na AR sobre o estudo encomendado pelo governo à Universidade Nova, «O Impacto do Euro na Economia Portuguesa», assim respondeu o então ministro das Finanças (Sousa Franco):

«... a decisão de encaminhar a Europa para a moeda única é uma decisão política... que não pode ser substituída por uma decisão técnica, tecnocrática ou académica. É uma decisão política. O estudo não tem nada a ver com o fundamento dessa decisão... Mas também seria errado que se pensasse que o estudo de uma instituição académica credenciada possa vir a pôr em causa radicalmente essa decisão política porque, por definição não pode.»

Refira-se que escreveu o mesmo no prefácio do estudo e, a título de curiosidade (só agora é que dei por ela) verifica-se que um dos autores da equipa do referido estudo se chamava Victor Gaspar, que, na biografia citada no livro se refere que «Foi representante pessoal do ministro das Finanças (então Braga de Macedo) nas negociações que conduziram ao Tratado de Maastricht» em 1992! (Portanto, nada nem ninguém de novo na frente da política de direita...)

Estas notas têm um objectivo. Sublinhar (agora que um desastre económico, financeiro e social de enormes proporções atingiu vários países da zona Euro, entre os quais Portugal), que o projecto político do Euro não foi um erro, e menos ainda um problema de ignorância ou má avaliação das suas consequências pelo poder político em Portugal ou na União Europeia.

O Euro não foi nem é um instrumento neutro. O Euro foi e é uma decisão política, uma opção do grande capital "europeu" e das potências dominantes da Europa, no contexto da integração capitalista, no quadro do processo da classe que constitui a União Europeia.

O Euro é um projecto que não falhou os seus objectivos.

No plano da contenção, quando não redução, dos salários – preço da força de trabalho – e na garantia de que os lucros crescessem a níveis bastante superiores. Em 2013 o peso dos salários no produto em Portugal está ao nível de 1988 (54,5% do PIB). Uma zona Euro onde os países do Sul caíram em teias de dependência, tornando-se importadores líquidos, imagem simétrica dos excedentes comerciais da Alemanha.

Entre 2001 e 2011 a produção industrial portuguesa teve uma redução acumulada de 16,3%, estando em 2011 ao nível de 1994! (E a propósito destes dados, caberia aqui fazer uma referência a um dos elucidativos esclarecimentos de um chamado Argumentário Euro, editado pela Comissão Europeia, a «fábula» do Picasso e dos pintores da construção civil (tal e qual), onde se explicava como a moeda única ia garantir «uma melhor divisão do trabalho» na Europa. O que se «esqueceram» de explicitar é que os alemães e holandeses iam ser os picassos, e os portugueses e outros povos do Sul os pintores da construção civil. Projecto europeu onde se agudizou a níveis extremos o comando e gestão política da integração europeia pelo Directório das grande potências, capitaneado pela Alemanha.

3. O Euro e a presente situação do País

É assim que hoje, face à profunda crise, ao desastre nacional que nos atravessa, é visível, ou melhor, tornaram-se visíveis muitas das consequências do Euro.

Na entrega do Estado Português nas mãos dos mercados financeiros, nas distorções provocadas no tecido económico, no obstáculo à competitividade interna e externa da nossa produção transaccionável, na quebra do investimento público e privado. No crescimento brutal do desemprego. Na degradação e subversão dos sectores públicos do ensino, saúde e segurança social!

E também na aparente «impotência» do Estado Português para lhe responder. E não resisto a citar aquela que foi, na minha opinião, a forma mais exemplar, mais pedagógica para explicar as consequências do Euro em Portugal, avançada há muitos anos pelo Professor Ferreira do Amaral: «O Euro transforma o Estado Português numa enorme Junta de Freguesia»! E ainda não se falava de um Tratado Orçamental...

Este debate, para o qual os convocamos, é ainda o esforço do PCP para aprofundar, para ver mais claro, os caminhos, as propostas, as medidas para, num quadro político, económico e social extremamente complexo, a recuperação pelo Estado Português de atributos de Estado de um País soberano e independente há mais de 8 séculos. Naturalmente, sem qualquer pretensão de um futuro autárcico, isolados na Europa ou à margem da comunidade das nações.

Sendo que, para nós é pacífico que a recusa do Euro, tal como a adesão, é um processo político, e sobretudo um combate político, na recuperação dos instrumentos de soberania económica, como os instrumentos monetário, cambial, orçamental.

Um processo político onde assume uma importância relevante a natureza do poder político que o conduzirá e realizará, e a estratégia política que o deve integrar. Esta, contendo a incompatibilidade absoluta do Euro com a alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe.

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