Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

"Este Governo não serve o país nem os interesses da maioria dos portugueses"

Sra. Presidente
Sras. e Srs. Deputados

O país que o Governo idealiza e que apresenta no seu discurso político não existe. Com eleições à vista o Governo esforça-se por esconder a realidade e apresenta, às vezes roçando o delírio, um país que os portugueses não reconhecem no seu dia-a-dia. Ocultam o país real na véspera de eleições para ver se o país real se esquece do mal que recebeu. Vão escondendo para debaixo do tapete problemas que reaparecerão mal passem as eleições.

E para isto a dita ajuda externa continua. Os portugueses que esperam e desesperam nas urgências; que têm de emigrar para que outros mais explorados, mais mal tratados, venham desempenhar as suas funções; que viram o seu poder de compra drasticamente reduzido; que tiveram os seus salários e pensões cortados ouvem, atónitos, o Governador do Banco Central Europeu, dizer que Portugal é um exemplo de sucesso. Aqueles que integraram a troica e impuseram ao país um programa a que muito justamente o PCP chamou de pacto de agressão são os únicos que fazem agora uma avaliação positiva. Como se quem faz o diagnóstico, escolhe e aplica a terapêutica, tivesse isenção suficiente que nos dizer que afinal o tratamento foi o errado.

O Governo esconde os problemas para criar uma ilusão. Felizmente para o país essa ilusão não safará o PSD e o CDS da derrota. Tal como o Governo já está social e politicamente derrotado, também os partidos que o suportam sairão derrotados nas próximas eleições.

São muitos os exemplos das discrepâncias entre o país inventado pelo Governo e o país vivido pelos portugueses e queremos destacar dois desses exemplos: a agricultura e o turismo.

No caso da agricultura, o discurso político da ministra já não é dirigido para o setor agrícola que conhece e sente os problemas e as dificuldades, mas para o largo número de portugueses afastados da realidade do mundo rural tentando convencê-los que a agricultura é um sucesso em Portugal. Será um sucesso para o agronegócio, para a grande agricultura de cariz industrial - que recebem milhões em apoios públicos (recorde-se que apenas 60 recebem tanto com os 120 mil mais pequenos) -, orientada para a exportação e tantas vezes associada a mão-de-obra imigrante e barata. A agricultura que produz para consumo interno e de proximidade, que tem potencial para fixar as pessoas no território combatendo o despovoamento, essa, atravessa as maiores dificuldades. Vejam-se os problemas dos preços pagos ao produtor, com leite vendido a 30 cêntimos/kg ou a batata vendida a 5 cêntimos/kg, e os casos em que as produções são entregues sem qualquer preço, como a uva e as frutas. O falso sucesso da ação do Governo é gritante. No caso do leite, cujas quotas vão terminar no final deste mês. Esse fim será dramático! O efeito sente-se o início da chamada aterragem suave, com o aumento da produção nos países do norte da Europa face à oportunidade – para eles não para nós – do fim das quotas leiteiras. Portugal pode passar de país autossuficiente para forte importador de leite. Isto com a destruição de explorações e de empregos.

As confederações da agricultura, aquelas que não se confundem com o ministério, são muito críticas relativamente aos programas de apoio comunitário. São várias as que afirmam que o novo PDR faz claramente uma distinção entre os grandes agricultores, que são beneficiados, e os pequenos, que ficarão cada vez mais afastados dos apoios. Isto não é novidade. Este é um Governo ao lado dos grandes interesses e contra os pequenos e médios produtores. O Governo que tirou a gestão de secadores de arroz a rendeiros para entregar a grandes proprietários. Que quer acabar com a Casa do Douro enquanto representante da lavoura duriense para a entregar ao controlo da comercialização e da CAP; que persegue e tira terra a rendeiros do Estado na herdade dos Machados, dizendo que as mesmas irão para a bolsa de terras e depois entrega-as ao antigo grande proprietário; que obriga pequenos produtores a coletarem-se mas não quer impor limites à grande distribuição.

Isto num quadro em que o Ministério se encontra completamente desmantelado e acumula atrasos nos pagamentos às equipas de sapadores e à sanidade animal através das OPP.

Por estas e outras razões a Agricultura Familiar realizará amanhã em Braga uma ação de luta que desde já saudamos.

Estas são as opções do Governo que cria problemas e não quer tratar das soluções. O PCP tem soluções e apresentou ainda recentemente num pacote legislativo, com 40 recomendações e mais de 60 propostas com soluções para os problemas concretos criados pela política de direita.

Também na área do Turismo é cada vez mais evidente a tentativa do Governo esconder os problemas com muita propaganda. Por detrás do discurso do melhor ano turístico de sempre, esconde-se a realidade que demonstra a desigualdade regional do sucesso; a incapacidade de mais de 60% das empresas de Alojamento e Restauração com dívida financeira de gerar rendimentos antes de impostos suficientes para pagar os juros; mais de 25000 empregos perdidos no último ano; o número de trabalhadores a receber o salário mínimo nacional é quase o dobro da média nacional. É por isto que os trabalhadores do setor têm lutado no Porto, em Braga, em Lisboa, na Madeira e esta semana no Clube Praia da Rocha, no Algarve, com situações de desespero como o da trabalhadora com salários em atraso que se acorrentou nas instalações do empreendimento. É este o sucesso do Governo! Basta haver mais proveitos, não interessa quem os acumula, não interessa se ficam salários em atraso, não interessa que quem produz efetivamente a riqueza – os trabalhadores – se tenha de acorrentar para chamar a atenção para o seu desespero.

Este Governo não serve o país nem os interesses da maioria dos portugueses. PSD e CDS bem podem querer pintar o país de cor-de-rosa, que o rosa também não é a cor que melhor lhe assenta.

A solução não é iludir os problemas, é enfrentá-los com uma política que os resolva.

A solução é produzir mais para dever menos. Produzir mais e valorizar o trabalho porque é esse que efetivamente cria a riqueza. Valorizando os pequenos e médios agricultores porque quanto menos agricultores houver mais concentrada fica a riqueza produzida; promovendo o preço justo pago aos produtores; fazendo prevalecer o interesse nacional e defendendo o setor leiteiro nacional face às imposições de Bruxelas. Para haver os melhores anos turísticos de sempre os salários têm de ser valorizados e estar em dia, a riqueza criada tem de ser distribuída com justiça pelos trabalhadores, a precariedade tem de ser erradicada e as condições de trabalho melhoradas, os pequenos e médios empresários têm de ser defendidos.

Quem recusa reconhecer os problemas do país e insiste na ilusão de que o país está no bom caminho e que as dificuldades estão ultrapassadas pretende apenas perpetuar a política de direita, com estes ou outros protagonistas.

Mas o tempo deste Governo e da política direita está mais que ultrapassado.
As soluções e as alternativas existem e o PCP tem as propostas para essa política alternativa. É tempo de as construir e pôr em prática.

Disse.

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