Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"A dívida foi o pretexto para impor a exploração e empobrecimento"

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Debate sobre o estado da Nação

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Antes de discutir a fundo o estado da Nação, queria perguntar-lhe, em relação à terrível lista de pragas que enumerou na sua resposta ao PS, qual é a posição do seu partido em relação a essas mesmas pragas.
É que não foi inseticida, foi parte integrante dessas pragas que se abateram sobre o povo português!
Sr. Primeiro-Ministro, numa síntese rigorosa que não se compadece com a vossa propaganda da retoma e do bom caminho, o estado da Nação é o de um País mais endividado, mais dependente, com mais desemprego, com mais emigração, com mais pobreza e com mais injustiça.
O senhor e o seu Governo governaram contra os portugueses e contra o País, mas também contra as próprias promessas que tinham feito.
Fizeram solenes proclamações assegurando que o desemprego não podia aumentar mais, mas vão deixar o País com altos níveis de desemprego, que atinge 1,2 milhões de portugueses e mais 500 000 portugueses, quase 10% da população ativa para a emigração.
Juraram que não aumentariam impostos se fossem governo e que não iriam massacrar mais quem já tinha sido penalizado. Não só aumentaram todos os impostos sobre quem trabalha, como fizeram o maior aumento de impostos de sempre.
Disseram que era um disparate falar-se em cortes nos subsídios e a primeira medida que tomaram foi cortar o subsídio de Natal e, a seguir, os salários e as reformas.
Garantiram que não podiam ser as famílias a pagar a crise e mais cortes na função pública. Com este Governo, os rendimentos do trabalho sofreram uma desvalorização de 16,5% em termos reais e de praticamente o dobro na Administração Pública, com um impacto enorme no poder de compra das famílias.
Disseram que iam pôr fim à partidarização da Administração Pública, mas, afinal, inundaram as chefias e cargos de dirigentes do Estado de comissários do PSD e do CDS.
Afirmaram: «Ninguém nos verá impor mais sacrifícios aos que mais precisam e os que têm mais terão de ajudar os que têm menos». Viu-se!
O estado da Nação que deixam é um estado de um País empobrecido, com mais de 800 000 portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza, e um País cada vez mais injusto e mais desigual. Essa forma de tratar aqueles que hoje estão na pobreza, considerando uma mera bolsa, demonstra a sua sensibilidade em relação a uma realidade brutal no nosso País.
Por isso, pergunto: onde é que estão as promessas de uma vida melhor?
Mas, não menor, é o embuste acerca da dívida. Anunciaram que todos os sacrifícios pedidos aos portugueses serviriam para pagar as dívidas, para resolver os problemas do endividamento do País. Cortaram nos rendimentos, cortaram nos medicamentos, cortaram nas cirurgias, cortaram nos subsídios de desemprego, cortaram no transporte de doentes, cortaram no complemento para idosos.
Deixaram na falência milhares de pequenas e médias empresas e arruinaram famílias, a quem depois foram penhorar a casa onde moravam. Ofereceram as empresas públicas e os setores que interessavam, e que fazem tanta falta ao País, aos grandes grupos económicos.
Fizeram tudo isto em nome da dívida e do seu pagamento. E qual foi o resultado? A dívida cresceu 50 000 milhões de euros! Temos, hoje, uma das dívidas maiores do mundo em percentagem do produto interno bruto.
Afirmava o atual Vice-Primeiro-Ministro, Paulo Portas, num debate entre candidatos às legislativas de 2011, que, e passo a citar, «não é possível absolver um Primeiro-Ministro que levou a dívida pública a 170 000 milhões de euros». Então, e agora? Que fazer com um Primeiro-Ministro e com um Governo que levou a dívida para 220 000 milhões de euros?
Sei que para o Sr. Vice-Primeiro-Ministro não há coisas irrevogáveis, mas este era um esclarecimento que devia ser feito.
Disseram aos portugueses que os sacrifícios iam valer a pena, mas, afinal, o País está mais endividado do que nunca. Não, não foi um erro de cálculo. A dívida foi apenas o pretexto para impor a política de exploração e de empobrecimento que sempre quiseram fazer.
Aliás, uma figura insuspeita, o Sr. Philippe Legrain, conselheiro económico do Dr. Durão Barroso, disse o seguinte: «Portugal está mais endividado do que antes do Programa e a dívida privada não caiu. Portugal está mesmo em pior estado que estava no início do Programa». Sr. Primeiro-Ministro, não venha dizer que a figura é suspeita na sua declaração.
Sr. Primeiro-Ministro, em vez de tomar as medidas necessárias para renegociar a dívida e fazer um esforço para com outros países que têm o mesmo problema, como a Grécia, a Espanha, a Irlanda, é insustentável…
Não se esteja a rir, Sr. Primeiro-Ministro! Já vi antecessores seus rirem muito e a seguir foram demitidos. Perderam!
Já toda a gente percebeu que o Governo português prefere alinhar com a União Europeia na chantagem contra o povo grego, porque as medidas que hoje estão a tentar impor à Grécia são as mesmas que PSD e CDS gostariam de continuar a impor cá. E também já toda a gente percebeu que esse alinhamento é a única forma de o PSD e o CDS salvarem o seu discurso dos eternos sacrifícios.
Sr. Primeiro-Ministro, mais dívida, mais dependência, mais desemprego, mais emigração, mais pobreza. Não nos limitamos a um exercício de balanço ou de estatística, falamos da vida dos portugueses e do País. Em cada número estatístico, escondem-se vidas arruinadas, empobrecidas, de milhões de portugueses a quem querem até roubar a esperança numa vida melhor e mais digna.
Lutaremos para que os portugueses tenham uma vida melhor e mais digna. O povo português saberá fazer o julgamento devido, tendo em conta o estado das suas vidas, tendo em conta o estado da Nação.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Realizamos o presente debate sobre o estado da Nação quando se aproxima o fim de uma Legislatura determinada pelas opções do pacto de agressão formatadas pela política de direita do PS, do PSD e do CDS e pelos arranjos e acordos que entre si promoveram com a troica estrangeira.
O estado da Nação que hoje aqui debatemos é o estado do declínio, do retrocesso, da dependência, do empobrecimento em que o País está e este Governo do PSD e do CDS o deixa.
O estado de um País saqueado no seu património e das suas gentes; o estado de um País com 1,2 milhão de desempregados e quase um terço dos seus trabalhadores na precariedade.
A marca de água e demonstração do falhanço deste Governo é a de um País que viu partir nos últimos cinco anos cerca de 500 000 portugueses para a emigração; um País que não sai de uma situação de marasmo económico, que viu nos últimos cinco anos recuar o PIB 6,6% em termos reais; um País com uma dívida insustentável e um serviço da dívida sufocante que se aproxima dos 9000 milhões de euros; o estado de um País onde campeia uma profunda injustiça fiscal agravada pelo maior aumento de impostos sobre os rendimentos do trabalho.
O estado da Nação é o estado deplorável em que este Governo deixa o País com mais de 2,7 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza.
«Bolsa de pobreza», dizia o Sr. Primeiro-Ministro. Não, Sr. Primeiro-Ministro. É uma mancha que o devia envergonhar.
O estado da Nação é o estado do retrocesso social e civilizacional de negação dos direitos sociais dos portugueses, nomeadamente à saúde, à educação, à segurança social e à cultura.
O estado de um país onde o domínio do poder económico sobre o poder político se mantém e desenvolvem as teias da promiscuidade entre cargos públicos e interesses privados, novos casos de corrupção, de fraude económica e financeira. Não, nem o País está melhor, nem os sacrifícios valeram a pena, como apregoa o Governo. Só um Governo que tem a perceção da derrota no horizonte é que pode querer vender essa ilusão falando em cofres cheios, quando sabe que são cofres cheios de dívidas; só porque pressentem que o povo português não perdoará tanta malfeitoria é que repetem e repetem que não somos a Grécia tentando ocultar a gravidade dos problemas que deixam ao País e a justificar a política de sacrifícios que impuseram tão sujeito, como antes, à especulação dos mercados quando eles assim o decidam.
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Não será com a mesma política que nos conduziu à crise que se resolverão os problemas do País.
Portugal não está condenado, o País tem saída e futuro, há alternativa. Há uma outra política patriótica e de esquerda capaz de assegurar o desenvolvimento do País e a elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo. Uma política em rutura com as receitas e caminhos que afundaram o País, uma política não só indispensável e inadiável como possível e realizável.
Realizável com a força e a luta dos trabalhadores e do povo português, com inscrição como fator decisivo e estratégico o crescimento económico, com a afirmação determinada e firme do direito do País a um desenvolvimento soberano assente na rutura com as políticas e orientações da União Europeia, da União Económica e Monetária, do euro e dos seus constrangimentos, do tratado orçamental e da governação económica.
Realizável pela mobilização de recursos que a renegociação da dívida permite libertar com a redução dos seus montantes e juros.
Realizável com o recurso a uma política fiscal que propomos por via da devida tributação sobre os dividendos, a especulação financeira, o património imobiliário, as grandes fortunas.
Realizável com a recuperação de importantes montantes hoje enterrados nos negócios das PPP e nos contratos swap.
Uma política que tem no desenvolvimento da produção nacional o motor da dinamização económica, da criação de emprego, do pleno aproveitamento de recursos naturais e a resposta para a dinamização do mercado interno e o incremento das exportações de maior valor acrescentado.
Uma política de afirmação do papel do Estado na economia com a reversão das privatizações e a recuperação para o setor público dos setores básicos e estratégicos no quadro de uma economia mista com um forte apoio às micro, pequenas e médias empresas.
Uma política que assuma a valorização do trabalho e dos trabalhadores como eixo essencial de uma política alternativa e que assume sem rodeios o objetivo de valorizar os salários e os seus direitos.
Uma política dirigida ao bem-estar e à qualidade de vida de todos. Desde logo, pela garantia do direito à saúde, objetivo inseparável do reforço do Serviço Nacional de Saúde, e pela defesa e valorização do sistema de segurança social — público, solidário e universal —, elevando a proteção social dos trabalhadores, assegurando o direito à reforma e a uma pensão dignas.
Uma política que assume na educação esse objetivo maior da formação integral das crianças e jovens como afirmação da escola pública, gratuita, de qualidade e inclusiva, onde seja assegurado a todos o direito ao conhecimento e à igualdade de oportunidades.
Uma política que garanta as funções culturais do Estado e assuma o conhecimento científico e técnico como força produtiva direta, indispensável ao desenvolvimento económico sustentado.
Uma política que garanta os direitos dos cidadãos, o acesso à justiça, que combata decididamente a corrupção, assegure a tranquilidade e a segurança dos cidadãos, afirme uma política de defesa nacional centrada nos princípios constitucionais.
Uma política patriótica e de esquerda que assuma a afirmação de um Portugal livre e soberano num mundo e numa Europa de paz e de cooperação entre Estados iguais em direitos.
Uma política alternativa que dê resposta com medidas concretas a urgentes problemas que, nomeadamente, respondam a uma efetiva proteção aos desempregados com o alargamento dos critérios de acesso e de prolongamento do período de atribuição do subsídio de desemprego; promova o aumento do salário mínimo nacional para 600 € no início de 2016 e o fim dos cortes salariai e a reposição integral dos salários, dos subsídios e pensões retirados na Administração Pública; a reposição da justiça e equidade nos critérios de cálculo e na atualização das reformas, a melhoria das pensões e reformas e a salvaguarda do direito à reforma aos 65 anos; a revogação imediata das taxas moderadoras nos serviços de saúde e assegurar médico de família a todos os portugueses num período não superior a dois anos.
Medidas concretas imediatas de apoio aos sectores produtivos com criação de um estatuto específico para a agricultura familiar e a manutenção de sistemas de quotas leiteiras; a garantia de todos os combustíveis a custo bonificado para todos os segmentos da frota pesqueira; o estabelecimento de um regime de preços máximos nos combustíveis e na eletricidade e a reversão da taxa do IVA para 6% na eletricidade e gás natural; a eliminação do pagamento especial por conta para as micro, pequenas e médias empresas e a redução da taxa do IVA na restauração a 13%.
Uma política alternativa que exige um governo que a concretize. Um governo capaz de romper com o ciclo vicioso que se instalou no País de alternância sem alternativa.
Sr.a Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Sr.as e Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Com um sentimento contraditório de inquietação e esperança, o PCP reafirma a sua confiança no povo português como principal ator da história e obreiro do seu próprio devir coletivo! Podem os senhores enganá-lo cinco, cinquenta ou cem vezes, mas não conseguirão enganar para todo o sempre.
É nesse povo que confiamos e é à sua força que apelamos para construir o seu próprio futuro!

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