Intervenção de Vitor Proença, Debate «Políticas para o território – desenvolvimento equilibrado, uma visão estratégica»

Descentralização e políticas para o território

Na presente legislatura, e a propósito do processo de descentralização para as autarquias locais, amplos sectores do PS gritaram “vitória” com a celebração do acordo entre o governo PS e o PSD. Vital Moreira exclamou: “ é bem vindo o processo de descentralização em curso”.

Quem fica a perder serão as populações e o país. Ao contrário do embuste, sobre este processo de transferência de competências, foi o PS quem foi cúmplice da direita e dos seus propósitos chegando mais longe que as propostas do chamado “Livro Verde da Reforma do Estado” apresentado por Paulo Portas em nome do governo PSD/CDS.

O processo de transferência de competências para as autarquias também foi construído, com a conivência de vários responsáveis da ANMP e também teve a conivência do PR, que promulgou todos os diplomas.

O acordo entre o PS e o PSD no processo de descentralização desfere um rude golpe na causa nobre da verdadeira descentralização, que o PCP há muito defende, e é um processo que vai agravar as desigualdades e alijar responsabilidades do Estado nas suas funções sociais.

Os municípios CDU e vários municípios de gestão PS, PSD, CDS/PP, de coligações PSD/CDS e alguns independentes rejeitaram no todo ou em parte competências dos Decretos Sectoriais e da Lei-Quadro.

O problema vai manter-se pois a partir de 2021, caso não seja revertido este processo, a imposição será geral para todos.

Ao longo do último ano e meio o PS e a direita construíram muitas falácias para enganarem as pessoas:

- que este processo visa aproximar das populações as decisões que hoje estão longínquas;

- que este processo mereceu um amplo consenso político pois obteve a concordância da maioria da ANMP;

- que este processo é a ante-câmara de uma futura regionalização;

- que os cidadãos terão melhores respostas;

- que este processo peca por defeito pois devia chegar mais longe.

Tudo propaganda. Tudo ao contrário. Tudo um embuste!

Não há processos descentralizadores em abstracto.

Não há autonomia local sem os recursos, financeiros e humanos, de que as autarquias carecem. Dar mais atribuições administrativas às autarquias sem lhes dar meios financeiros e humanos compatíveis equivale a negar a descentralização. Muito menos partir do princípio que as autarquias devem lançar um número infinito de taxas sobre os contribuintes.

É fácil definir a descentralização administrativa nas autarquias locais. Ela consiste na entrega às comunidades locais da gestão, definindo e fixando a dimensão da descentralização, meios e recursos previamente acordados, definindo (entre o Estado e as autarquias) quem se encontra em melhores condições para a resposta pública.

Não é isso que temos em curso. O processo em curso está a transferir funções administrativas e de investimento, não só empurrando a maioria dos municípios para encargos de investimento e gestão bem pesados como desvinculando vários ministérios e o Estado de funções que são suas.

Eu pergunto: nas Escolas este processo de transferência de encargos vai resolver a insuficiência de professores, e da ascensão dos colégios e escolas privadas, em detrimento da escola pública? Vai promover por si o sucesso escolar? Não! Não vai.

Apesar da natureza local das escolas básicas e secundárias e dos Centros de Saúde, quer os municípios quer os próprios agrupamentos continuarão integralmente reféns do controle do governo. Hoje o Estado, os governos, têm vindo a reduzir, a subfinanciar ou a deixar de investir em áreas que agora querem transferir e quem são prejudicadas são as populações.

Muitos dos 184 municípios que têm menos de 20.000 habitantes (66% do continente) têm reduzida capacidade técnica e administrativa.

Querer responsabilizá-los pela segurança alimentar, pela saúde animal, pela gestão das escolas, centros de saúde, estradas nacionais, arribas, falésias ou parque habitacional do Estado é completamente insensato.

Esta municipalização, forçada, de funções do Estado já deu maus resultados. É o caso das estradas nacionais. Só isso explica que, em 2005, a fatídica EN255 tenha sido entregue aos municípios de Borba e Vila Viçosa. E agora quer-se transferir mais 3800 Km de vias nacionais para os municípios que já administraram 93.000 km de rede própria.

Num tempo em que as populações e a economia do país necessitam dos municípios e freguesias com maior capacidade financeira e capacidade de resposta, o actual processo vai acentuar a fraqueza administrativa e financeira de muitos deles. Este processo não é só uma transferência de encargos. Vai ser também uma transferência de ónus e responsabilidades para os eleitos e órgãos do poder local.

As mesmas razões que explicam a morte de mais de 500 municípios no séc. XIX, e 1500 freguesias num passado muito recente, poderão levar à extinção de algumas dezenas de municípios, a gosto de sectores económicos e do capital financeiro que querem dispensar municípios para eles considerados “não lucrativos” e sem poder aquisitivo.

Convém não confundir descentralização com desconcentração. A descentralização é indispensável? Sim, é. Não esta mera transferência de encargos, sem meios e sem condições.

Há áreas em que o Estado deveria descentralizar para os municípios e teima em não fazer. Porque razão um Plano Especial de Ordenamento do Território (Estado), um Plano de Barragens, um Plano de uma Reserva Natural, fixa e cativa camas turísticas virtuais, que são algumas vezes impeditivas de novos investimentos em alojamentos? Porque razão o ICN-F fica meses sem emitir pareceres vinculativos que vão criar entraves em novos investimentos?
Porque razão as Direcções Regionais de Cultura continuam a ter poderes abusivos em matéria de licenciamentos urbanísticos? Porque razão o Estado centraliza nas Entidades Reguladoras mais competências, como no sector das águas e dos resíduos?

O país vive problemas e entropias pela centralização do Estado. Não basta mudar a Secretaria de Estado da Valorização do Interior para Castelo Branco, ou o Tribunal Constitucional para Coimbra. Uma reforma do Estado Democrático faz falta ao país para servir melhor as pessoas.

A criação das regiões é um imperativo para modernizar este mesmo Estado Democrático, criando uma harmonia entre os 3 patamares de autarquias locais.
Há desígnios que devemos bater-nos para projectar o nosso território ao serviço dos cidadãos e do país:

- a qualidade do serviço público prestado com maior capacitação dos serviços;

- a proximidade das respostas públicas e a democracia participada;

- a valorização e qualificação da qualidade de vida das pessoas nos centros urbanos e centros rurais;

- a valorização do ambiente, da mobilidade e na acessibilidade das pessoas às redes de transportes;

- a valorização cultural, social e de conhecimento das pessoas;

- a contribuição para ampliar soluções de emprego, de fixação de pessoas, aumento da natalidade.

Será possível melhorar as respostas públicas da administração pública caso se encare e avance para uma abordagem integrada na desconcentração da administração central, numa outra descentralização de competências e na criação de regiões.

Viva o PCP!

  • Poder Local e Regiões Autónomas