Intervenção de

Debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2000 - Intervenção de Luísa Mesquita

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhoras Deputadas, Senhores Membros do Governo:

Se alguém chegou a equacionar a possibilidade de nas áreas sociais o Orçamento do Estado do Partido Socialista poder camuflar os seus reais objectivos de entrega apaixonada à direita ou ainda se alguns, teimam em balbuciar que a Educação, a Ciência ou a Cultura têm alguns matizes de esquerda, é trágica a desilusão.

No decurso da discussão em Comissão, houve, por parte do Governo e dos Deputados do Partido Socialista, um visível empenho em discutir o discurso das intenções das GOP's, tanto quanto possível longe das verbas previstas, para que o Orçamento apresentado parecesse ter como objecto o País real.

Mas frustrados foram os intentos.

Porque de Norte a Sul do País, estudantes, professores, reitores, investigadores, responsáveis dos institutos e dos laboratórios do Estado, sindicatos, confrontavam a exiguidade das verbas com as necessidades mais primárias do desenvolvimento das instituições.

Do ensino superior vinham as denúncias de sub-financiamento do sector, enquanto o Governo tentava, em vão, minimizar as críticas, insuflando as verbas globais previstas no Orçamento, com 13,9 milhões de contos de propinas e outras receitas próprias das Faculdades e dos Institutos Superiores Politécnicos, numa atitude de total desrespeito pela legislação sobre o financiamento do ensino superior público e que determina a aplicação das verbas das propinas na elevação da qualidade do ensino superior.

O Governo do PS confirma, assim, tudo aquilo que na anterior Legislatura o PCP denunciou:

· a lei do financiamento foi reduzida ao pagamento de propinas;

· as propinas são a desresponsabilização do Estado relativamente ao ensino superior público;

· os alunos pagam às instituições e o Estado fica a dever aos alunos, às instituições e ao País.

E o Orçamento aí está a demonstrar o não cumprimento da fórmula de financiamento que determina o cálculo das verbas a atribuir às escolas de ensino superior.

Repare-se, por exemplo que, para o conjunto das universidades financiadas através desta fórmula o Governo deveria assegurar uma transferência de 146 milhões de contos, mas na realidade a verba transferida é de 124 milhões de contos. O que significa um corte de 22 milhões de contos.

E se nos voltarmos para o orçamento de investimento, a situação não melhora. São inúmeros os cortes feitos em muitas escolas, o que significa:

· interrupção de obras iniciadas;

· não lançamento de novas obras;

· continuidade dos graves problemas do equipamento existentes, quer nas mais antigas, quer nas mais recentes universidades e escolas politécnicas portuguesas.

Entretanto, e para desviar a atenção do confronto entre as verbas orçamentadas e as necessidades urgentes das escolas, o Governo anuncia uma proposta de lei-quadro para "arrumar a casa do superior".

Hoje, já se conhece a "mezinha" - é decepcionante, tecnicamente inconsistente e desresponsabilizadora na defesa do ensino superior público.

Mas se este é o figurino orçamental do ensino superior público, infelizmente não é excepção.

Também durante o debate na generalidade, o Governo fez um segundo anúncio - as novas escolas para o ensino básico e secundário - as escolas completas -, como se o País partisse agora à conquista de uma grande descoberta.

Como se escolas sem aquecimento, sem laboratórios, sem bibliotecas, sem refeitórios, sem material didáctico, sem professores, constituíssem o quadro normal e adequado ao processo de ensino aprendizagem das crianças e dos jovens portugueses.

E agora passaríamos da regra à excepção - a escola completa.

Mas olhemos o PIDDAC!

E nem com lupa é possível descortinar o início do fim do gelo nas salas de aula, a presença de mais refeitórios, equipamento escolar adaptado à nova geração de alunos, etc., etc..

Para 2000 descem exactamente algumas das verbas fundamentais em programas de apetrechamento das instalações para os ensinos básico e secundário no Alentejo, no Centro, em Lisboa e no Norte.

E o pré-escolar, a paixão das paixões!

De infidelidade em infidelidade, o Programa do Governo de 99 era já muito menos ambicioso que o Programa do Governo de 95.

E as verbas consignadas para 2000 deixam claro que, a este ritmo, nem a ambição reduzida de 99 será alcançada.

A rede privada e cooperativa conta com cerca de 40% da verba destinada à rede pública, à qual se acrescentará ainda a componente de apoio à família que é financiada através do Orçamento da Segurança Social.

Este quadro é esclarecedor da resposta insuficiente da rede pública do pré-escolar e ainda dos encargos que são suportados por inúmeras famílias que têm que recorrer à rede privada, particularmente nos grandes centros e periferias urbanas.

E a acção social escolar indispensável e cada vez mais necessária num País onde as desigualdades e as assimetrias se agudizam quotidianamente, onde o desemprego e o falso emprego violam o direito ao trabalho, onde o abandono e o insucesso escolares nos primeiros anos de escolaridade obrigatória envergonham o País.

Para grandes males, grandes remédios.

O Governo do Partido Socialista repetiu a receita de 99.

Reduziu o Orçamento nas áreas dos investimentos do plano, quer para o ensino não superior, quer para o ensino superior.

Construção e equipamento de residências escolares e outras infra-estruturas urgentes, num país onde o número de alunos deslocados aumenta significativamente, não constituem preocupação para o Governo do PS.

São cada vez em maior número as famílias portuguesas que tem dois ou três filhos em diferentes cidades do País, suportando acréscimos de despesa nos seus orçamentos familiares que decorrem da total irresponsabilidade e incompetência dos diferentes governos para definir uma rede pública de estabelecimentos de educação e ensino que corresponda às necessidades do País e às legítimas expectativas das crianças e dos jovens.

E o ensino recorrente, o ensino de segunda oportunidade para tantos jovens excluídos do ensino regular, para tantos adultos com pouca ou nenhuma escolaridade.

Mais de 70% da população não tem seis anos de escolaridade.

Portugal continua a ter a mais elevada taxa de analfabetos da União Europeia e uma das mais elevadas do Mundo ao lado do México e do Peru.

A resposta está no Orçamento.

Diminuíram as verbas.

Diminuíram os professores em acções de alfabetização e de educação extra-escolar.

Desapareceram cursos nocturnos em mais de 200 escolas públicas.

E se da Educação passarmos à Ciência, o panorama mantém-se.

Enquanto o Governo soma números, globaliza análises, as diversas instituições públicas não universitárias de investigação, ciência e tecnologia permanecem enfermas, depois dos diagnósticos formuladas, depois das medidas propostas para sobreviverem.

No decurso da discussão do Orçamento do Estado, o Grupo Parlamentar do PCP promoveu uma audição com estas instituições públicas de investigação.

O resultado é preocupante. Houve unanimidade em considerar insuficientes os financiamentos previstos, que tem repercussões a todos os níveis, dificultando o recrutamento e o rejuvenescimento dos quadros depauperados e envelhecidos.

Mas verifiquemos os números.

As dotações em PIDDAC diminuem 27%, respondendo ao estado de degradação de inúmeras instalações.

O aumento global previsto para os laboratórios do Estado de 2,9 milhões de contos, é praticamente engolido pelo acréscimo das despesas com o pessoal permanente.

Estas são as grandes medidas para reformar instituições, que são forçadas a realizar cada vez mais receitas de serviços para pagar salários, remetendo para outra oportunidade o seu objectivo fundamental - o trabalho de investigação científica e desenvolvimento tecnológico.

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhoras Deputadas, Senhores Membros do Governo:

Gastar mais é insuficiente quando não se sabe ou não se quer gastar melhor.

Gastar mais é insuficiente quando se aposta na continuidade dos erros e não na solução dos problemas.

 

 

Sr. Presidente, Sr.ª Deputada (Natalina Moura - PS)

É suficientemente esclarecedor que ninguém da bancada do Partido Socialista que integra a Comissão de Educação, Ciência e Cultura, e que aí colocou questões ao Sr. Ministro Guilherme d’Oliveira Martins, quisesse aqui usar da palavra. Isso é suficientemente esclarecedor! Ninguém tem coragem de defender este Orçamento. «Agarraram» na senhora à pressa e trouxeram-na para a primeira fila, para que a senhora o defendesse, o que é suficientemente esclarecedor.

Em segundo lugar, como a Sr.ª Deputada não acompanhou a discussão que foi feita na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, como a senhora não conhece o Orçamento, então vamos ajudá-la: a verba para o ensino superior tem, em rodapé, em letras mais pequeninas, 13,9 milhões de contos de propinas. Sabe o que é isto, Sr.ª Deputada? Roubo às instituições! Roubo aos alunos! Roubo às famílias! Sabe o que é isto, Sr.ª Deputada? Falta de seriedade!

O Partido Socialista disse aqui, nesta Casa, que as propinas eram para aumentar a qualidade do ensino superior, elevar a sua qualidade! E para que é que são? Para substituir a ausência de financiamento do Governo e para substituir os «buracos» que o Governo provoca nas Faculdades!

A Sr.ª Deputada não precisa só de um percurso pelo País, precisa de percursos plurais, e um deles é o de ouvir os reitores. Precisa de ouvir o Conselho de Reitores, o Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos, os reitores das Universidades de Coimbra, da Nova, de Lisboa, do Porto, de todas as universidades, a dizerem que não têm dinheiro para pagar salários. Portanto, Sr.ª Deputada, esclareça-se e depois venha dizer alguma coisa.

Sr.ª Deputada, quanto ao pré-escolar, que vergonha! Então a senhora, que vive em Lisboa, que sabe que as crianças pequeninas continuam a viver em armazéns, em vãos de escada, considera suficiente o aumento da verba? Então, a Sr.ª Deputada não leu com atenção o Programa do Governo de 1999? Então, a Sr.ª Deputada não sabe que o Governo desceu na sua ambição, no Programa de 1999, relativamente ao Programa de 1995, porque se apercebeu que nem o de 1995 cumpria, tendo tido de se adequar ao de 1999 e que agora, com esta verba, nem o de 1999 vai cumprir?! Ó Sr.ª Deputada, está perfeitamente distraída.

Realize uma pluralidade de discursos ou de percursos porque, se não, faz-me lembrar o Camões: «Se lá no assento etéreo onde subiste/Memória desta vida se consente...» Sr.ª Deputada, não conte histórias porque o povo não acredita em si!

 

Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação

Eectivamente não tem explicação...

Sr. Ministro, o que se passa é o seguinte: primeiro, a fórmula não foi cumprida; egundo, o orçamento-padrão não foi cumprido; terceiro, é um roubo, é uma vergonha, milhões e milhões de contos, tirados dos bolsos dos pais e das mães dos jovens universitários, não servirem para elevar a qualidade de ensino, como foi dito pelo Partido Socialista, relativamente ao que votámos contra, porque consideramos que a Constituição — que o Partido Socialista já não defende — é para cumprir! Mas tendo o Partido Socialista recuado tanto no cumprimento da Constituição e tendo optado por obrigar os portugueses a pagarem o ensino superior dos seus filhos, que, ao menos, tivesse cumprido aquilo que disse nesta Casa, durante a anterior legislatura!

E o que o Partido Socialista aqui disse é que o dinheiro das propinas serviria para elevar a qualidade do ensino. Mas tal é falso! Dizem-no os reitores das Universidades de Coimbra, do Porto, de Lisboa, do Algarve, do Minho. O dinheiro das propinas, Sr. Ministro, é para pagar salários, é para pagar papel higiénico, é para limpar as universidades, é para tudo aquilo que é necessário nas universidades. A partir dos meses de Julho e Agosto não há financiamento do Governo!

Não fiquem nervosos, toda a gente sabe!

Os reitores, os estudantes universitários, os pais e os encarregados de educação sabem que tudo aquilo que acabámos de afirmar é verdade e que tudo aquilo que foi dito pelo Partido Socialista não corresponde à verdade.

Para terminar, gostaria de dizer que, quanto aos professores, eles não são só competentes, eles são milagrosos, porque são capazes de fazer «as omoletas sem os ovos» e os «bolos sem a farinha»! Isto, só neste país!

Quanto aos alunos, eles são fenomenais! Jovens que acabam o ensino superior com médias de 17, 18, 19 ou 20 valores e que têm de ficar um ou dois anos à espera para entrar na faculdade, ou que então entram em engenharia civil porque queriam ser médicos, u entram em gestão porque queriam ser farmacêuticos, são, de facto, fenomenais, muito bons, muito calmos, muito tranquilos, porque, se não, já tinham dito ao Partido Socialista que isto tinha de ter um fim.

 

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