Projecto de Resolução nº 254/IX
Contra as patentes de Software na União Europeia em defesa do desenvolvimento cientifico e tecnológico
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1 — Está actualmente em curso na União Europeia o procedimento de co-decisão relativo à proposta de directiva comunitária sobre a patenteabilidade dos inventos que implicam programas de computador, vulgo software. Após a votação, em primeira leitura, da proposta de directiva em sede de Parlamento Europeu, realizada a 24 de Setembro de 2003, segue-se agora o desenrolar do processo de discussão e negociação junto da Comissão e do Conselho. Neste âmbito, caberá um especial papel aos representantes dos Estados-membros quanto à definição de uma proposta final de directiva.
2 — As alterações produzidas pelo Parlamento Europeu permitem clarificar o contributo técnico para que os inventos que implicam software possam ser patenteáveis. No entanto, esta directiva aprovada em primeira leitura admite, por exemplo, a patenteabilidade de um algoritmo «na condição de esse método ser utilizado para solucionar um problema técnico», mantendo a ideia de que o «carácter técnico» pode configurar «um invento patenteável» e realçando a suposta «importância da protecção por patente», o que na prática significa manter a abertura às patentes de software.
3 — O sector do desenvolvimento e produção de software enfrenta hoje um crescente conjunto de desafios, no plano económico, científico, cultural, que mais do que nunca colocam na ordem do dia a urgente necessidade de promover uma dinâmica de inovação, livre das lógicas de concentração monopolista, das quais o sistema de patentes actualmente dominante constitui exemplo flagrante.
4 — A prazo, coloca-se o perigo real de as patentes sobre software se revelarem, não um incentivo à inovação e desenvolvimento, mas um verdadeiro obstáculo à produção e comercialização de programas para todas as micro, pequenas e médias empresas que não têm milhares de patentes registadas - o que suscita o problema da submissão da «indústria» da produção técnica às lógicas da «indústria» do registo e comercialização de patentes. A título de exemplo, refira-se o caso da empresa líder mundial de patentes nesta área - a IBM -, que entre 1993 e 2002 adquiriu 22 000 patentes, das quais veio a extrair cerca de dez mil milhões de dólares em receitas de licenciamento (em larga medida, através de contencioso judicial).
5 — A própria Comissão Federal do Comércio dos EUA, assim como a Academia das Ciências daquele país, já em 2003 exprimiram fundadas preocupações quanto à exagerada proliferação de patentes, registando assumidamente um constrangimento ao desenvolvimento de forças produtivas daí decorrente - que neste caso ameaça vir a instalar-se também na Europa, criando uma situação insustentável para a grande maioria das empresas deste sector.
6 — Na sequência da votação de 24 de Setembro de 2003 no Parlamento Europeu, o Conselho de Ministros da União Europeia mandou elaborar um «livro branco» para que a matéria seja reexaminada pelo Parlamento, onde se defende, designadamente, que algoritmos matemáticos e métodos de gestão atribuídos pelo Gabinete Europeu de Patentes sejam (contra a letra e o espírito da legislação em vigor) automaticamente invenções patenteáveis; que o uso de protocolos patenteados e de formatos de ficheiros para fins de interoperabilidade sejam ilegais, assim como a publicação em linguagem formal num servidor da Internet da descrição de uma ideia patenteada; etc. Estas propostas que testemunham bem a força dos grandes interesses económicos e as grandes pressões exercidas sobre os órgãos da União Europeia.
7 — Pela parte do Estado português, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial é o organismo oficial que, a par dos organismos congéneres na maioria dos países europeus, tem vindo a elaborar a política sobre patentes e a pronunciar-se em nome do Estado p ortuguês no âmbito do referido processo em sede comunitária. Com efeito, a prática do INPI nestas (e noutras) matérias tem sido basicamente a de participar na transposição da jurisprudência emanada pelo Gabinete Europeu de Patentes, sujeitando essas propostas a processos meramente formais de consulta pública, que têm ficado aquém da participação, representatividade e credibilidade que uma matéria como esta exige e merece.
8 — Na fase actual deste processo impõe-se que Portugal, enquanto Estado-membro da União Europeia, assuma, nos vários níveis e sedes de discussão desta matéria, uma posição activa e firme - designadamente, com a intervenção do Governo no quadro do Conselho Europeu, bem como a participação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Patentes do Conselho.
9 — A Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, assinada em Munique, a 5 de Outubro de 1973, determina que «os programas de computador, em conjunto com as descobertas, teorias científicas, métodos matemáticos, criações estéticas, esquemas, regras e métodos de execução de actividades intelectuais, jogos ou actividades comerciais, assim como exposições de informação, são expressamente não considerados inventos, sendo, por isso, excluídos da patenteabilidade», concepção que não pode nem deve ser posta em causa pelo actual processo de discussão da patente comunitária.
10 — A questão central que está em causa neste processo, e nesta proposta, prende-se com a consideração - que é urgente recusar - de que o saber humano, a descoberta científica, o invento de uma nova solução ao nível da programação informática sejam domínios tratados como mercadoria, patenteáveis e comercializados numa lógica de mercantilização da própria vida.
Assim, tendo em consideração os motivos acima expostos, a Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.° da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que assuma, em sede do Conselho Europeu, uma posição clara de recusa face à perspectiva de consagração das patentes de software, em defesa do desenvolvimento humano, rejeitando e combatendo a mercantilização do saber.
Assembleia da República, em 26 de Maio de 2004