Consulta Cronológica dos Projectos
de Lei
Consulta por assuntos dos Projectos
de Lei
Consulta Cronológica dos Projectos de Resolução
Projecto de Lei nº
Suspende os procedimentos criminais instaurados
pela prática
de crime de aborto punível nos termos dos nºs 2 e 3 do
artigo 140º do Código Penal
Os recentes e sucessivos julgamentos de mulheres pela prática de aborto, realizados nos Tribunais da Maia, Aveiro , Setúbal e Lisboa vieram mostrar que a lei penal sancionava a mais revoltante devassa da privacidade das mulheres.
Investigadas pelos órgãos de polícia, inquiridas sobre a sua vida mais íntima, sobre as suas mais dramáticas decisões, sujeitas a exames que violam a sua privacidade, as mulheres remetidas para a humilhante clandestinidade do aborto, sentam-se no banco dos acusados, como se a sociedade lhes exigisse a expiação por um crime.
Ou então vêem-se “ coagidas” a aceitar medidas de injunção e regras de boa conduta que acrescentam uma nova humilhação à humilhação do aborto clandestino. Como aconteceu recentemente em Coimbra.
Novos julgamentos se anunciam.
E, no entanto, o sentimento geral é o de que, sendo embora o aborto um momento difícil para a mulher que se vê confrontada com a difícil decisão, não comete a mulher qualquer crime.
A prová-lo estão as estatísticas das denuncias pelo crime de aborto, quando cotejadas com os estimados milhares de abortos clandestinos realizados.
Apesar disso, depois do referendo, sucedem-se de uma forma preocupante os julgamentos de mulheres. A perseguição penal aparenta ser como que uma espécie de desforço post- referendário, contra as mulheres que ousam desafiar a lei que as humilha.
Os que defendem a manutenção da penalização, sempre
que há algum julgamento multiplicam-se em declarações no
sentido de que não querem a condenação das mulheres.
O mesmo fizeram nos últimos debates parlamentares sobre a despenalização.
Em Janeiro do corrente ano, segundo a Comunicação Social, o então Primeiro Ministro Durão Barroso declarou admitir a descriminalização do aborto. Mas remeteu a sua concretização para 2006.
E declarou apoiar as propostas da JSD no sentido de, numa 1ª fase, serem tomadas medidas de combate às causas que levam a mulher a abortar e, seguidamente, impedir que, ao fazê-lo, a mulher seja condenada.
A maioria aprovou uma Resolução que pretende corresponder à 1ª fase. A qual não tem qualquer espécie de concretização. Diga-se em abono da verdade.
Mas ao apresentar a proposta de Resolução, a maioria reconheceu que às mulheres não têm sido garantidas as medidas de prevenção do aborto.
O actual 1º Ministro acenou com a possibilidade de alteração da lei na próxima legislatura.
Pergunta-se assim que ética preside à continuação da perseguição penal das mulheres?
Sobre esta matéria escreveu o Professor Costa Andrade, num artigo publicado no Jornal O Público de 2 de Fevereiro, sob o título “O Dia em que o PSD descriminalizou o aborto”, o seguinte:
“De forma decididamente apodíctica (a promessa de Durão Barroso) descriminalizou de facto, desde já e forma irreversível, o aborto. Promessas à parte, o aborto foi descriminalizado aos meados de Janeiro de 2004 …
A descriminalização tornou-se law in action antes de se ter tornado law in books …como pode esperar-se que os juízes portugueses condenem hoje por um facto que amanhã vai ser inapelavelmente descriminalizado? E com que empenhamento vão iniciar processos, que podem muito bem acabar quando a prática já deixou de ser ilícita, tendo passado para o campo do criminalmente neutro ou indiferente?
… Por outro lado, e sobretudo, esperar pela descriminalização em letra de lei enquanto se cumprem políticas para erradicar ou dominar as causas do aborto, significa continuar a admitir mandar mulheres para a cadeia, enquanto se cumprem obrigações governamentais …
… o adiamento da descriminalização legal significa a instauração de um período de quarentena e transição durante o qual as mulheres são erigidas em bodes expiatórios das culpas dos Governos …
… Mas se as causas do aborto são imputáveis à omissão e culpa da governação, falece legitimidade e moral ao Governo para continuar a mandar as mulheres para a prisão enquanto ele expia a sua própria culpa ou repara as malfeitorias devidas à sua inacção”.
A argumentação do Professor Costa Andrade veio dar alento à reflexão que o PCP vinha fazendo, sobre a forma de pôr cobro à perseguição penal das mulheres, caso a despenalização não fosse aprovada.
Assim, o PCP vem propor uma moratória na aplicação da lei penal até à apreciação definitiva de lei que vise a descriminalização do aborto no primeiro trimestre, quando a IVG seja realizada por decisão da mulher e com o consentimento desta.
Esta proposta de moratória na aplicação da lei penal não significa qualquer abrandamento na defesa da despenalização da IVG até às 12 semanas a pedido da mulher, em que o PCP se empenha há mais de 20 anos. Antes significa uma proposta que - respondendo à situação concreta de bloqueio imposta pela maioria de direita, apesar de hipócritas declarações em sentido contrário – visa impedir que as mulheres continuem a ser perseguidas e humilhadas no quadro legal actual, perspectivando a alteração de fundo da lei penal nesta matéria logo que possível.
Assim, o PCP propõe:
1 – A suspensão imediata dos procedimentos criminais já instaurados até à entrada em vigor da lei, ou que venham a ser instaurados posteriormente.
2 – A suspensão produzirá efeitos até à apreciação definitiva de iniciativa legislativa que vise a despenalização da IVG no primeiro trimestre, quando decidida pela mulher e realizada com o consentimento desta.
3 – Suspender-se-ão todas e quaisquer diligências já ordenadas nos procedimentos criminais e não poderão ordenar-se diligências nos processos que venham a ser instaurados posteriormente à entrada em vigor da lei.
4 – Fica também suspensa a aplicação de medidas de injunção e regras de boa conduta, decididas nos termos do artigo 281º do Código do Processo Penal.
5- Com a suspensão dos procedimentos criminais suspende-se também o prazo de prescrição do procedimento criminal.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP, apresenta o seguinte:
Projecto de Lei nº
Suspende os procedimentos criminais instaurados pela
prática de crime de aborto punível nos termos dos
nºs 2 e 3 do artigo 140º do Código Penal
Artigo 1º
Suspensão do procedimento criminal
1 – Até à primeira apreciação definitiva posterior
à presente lei, de iniciativa legislativa visando a descriminalização
da interrupção voluntária da gravidez quando realizada
no primeiro trimestre da gravidez por decisão e com o consentimento da
mulher, ficam suspensos todos os procedimentos criminais instaurados pela prática
do crime previsto no nº 3 do artigo 140º do Código Penal.
2 – Ficam igualmente suspensos nos termos previstos no número anterior, os procedimentos criminais instaurados pela prática do crime previsto no nº 2 do artigo 140º do Código Penal.
3 – Relativamente aos processos instaurados à data da entrada em vigor da presente lei, por despacho do Ministério Público, do Juiz de Instrução ou do Juiz a quem o processo tiver sido distribuído para julgamento na 1ª instância ou no tribunal de recurso, conforme a fase em que o processo se encontre, será suspenso o andamento dos autos ficando suspensa a realização de quaisquer diligências já ordenadas.
4 – Se o procedimento criminal se encontrar pendente para investigação em órgão de polícia criminal, os autos serão imediatamente remetidos ao Ministério Público para que seja proferido o despacho de suspensão, suspendendo-se, imediatamente, com a remessa dos autos, quaisquer diligências que estejam em curso.
5 – Relativamente aos procedimentos criminais instaurados posteriormente à entrada em vigor da presente lei, o Ministério Público ordenará a suspensão imediata dos mesmos, suspendendo-se de igual modo a realização de quaisquer diligências; caso o procedimento criminal tenha sido instaurado perante órgão de polícia criminal, aplica-se o disposto na parte final do número anterior.
6 – Fica de igual modo suspensa a aplicação de injunções e regras de boa conduta, decididas nos termos do artigo 281º do Código do Processo Penal.
7-Durante o prazo de suspensão previsto na presente lei, suspende-se o prazo de prescrição do procedimento criminal.
Artigo 2º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Assembleia da República, 15 de Novembro
de 2004