Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

"A alternativa ao desemprego não é a precariedade é o emprego com direitos"

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O desemprego é, pelas piores razões, o resultado mais expressivo do projeto político deste Governo e da política dos PEC e da troica, a saber, empobrecimento, agravamento da exploração, tentativa de destruição de direitos laborais e sociais.
De facto, o desemprego não é um dano colateral de um qualquer ajustamento. O desemprego é um fator de pressão sobre os salários, é um instrumento para reduzir os custos do trabalho, é uma chantagem para aqueles que ainda têm emprego e um desespero para aqueles que todos os dias sobrevivem sem emprego.
A prova de que este Governo PSD/CDS está empenhado na criação de mais desemprego é a insistência nos despedimentos na Administração Pública, através da falsamente designada «requalificação», criada pelo Governo PS/Sócrates.
Mas o Governo anunciou ontem um programa de estágios para desempregados de longa duração, desenhado à medida das preocupações eleitorais do PSD e do CDS, que confirma também que o Governo está empenhado em contribuir diretamente para a substituição de emprego com direitos por emprego precário, para a redução direta dos salários e, ainda por cima, subsidiando essa redução dos salários com dinheiros da segurança social.
Anunciam assim: se tens mais de 31 anos, estás desempregado e inscrito no centro de emprego há pelo menos 12 meses e nunca estiveste envolvido noutro programa de estágios do IEFP, podes ser o feliz contemplado com um estágio profissional. E ainda te pagam uma bolsa que vai de 419 € a 692 €, eventualmente subsídio de alimentação e talvez seguro de acidentes de trabalho.
Com tudo isto, os estagiários ainda devem ficar agradecidos ao Governo pela situação de precariedade a que os sujeita? Então, os trabalhadores têm que agradecer ao Governo o facto de serem colocados em empresas a ocupar postos de trabalho permanentes e a receber uma «bolsa», sem direito ao vínculo e ao salário a que têm direito?
Mais, a «bolsa» não é paga pela empresa onde os estagiários trabalham e que beneficia do seu trabalho, mas é paga quase na totalidade pela segurança social, ou seja, pelos impostos e descontos dos trabalhadores, incluindo dos próprios estagiários!
Sr.ª Presidente e Sr. Deputados, isto é inaceitável. As empresas, em vez de garantir postos de trabalho dignos, beneficiam de trabalho quase de borla, pago pelo Estado.
Os estagiários têm de se sujeitar a uma prestação de trabalho em condições humilhantes e, passados seis e nove meses, voltam ao desemprego.
O Governo subsidia as empresas com o dinheiro dos contribuintes, humilha os desempregados e abate-os convenientemente aos números do desemprego para poder publicitar o sucesso das suas políticas, como, aliás, denunciou recentemente o Banco de Portugal ao afirmar que um terço do emprego por conta de outrem, criado no terceiro trimestre de 2014, corresponde a estágios profissionais.
Esta é uma falsa solução de propaganda para um problema muito sério do País — aliás, à semelhança do que o Governo tem feito ao afirmar que a taxa de contratação sem termo após a realização de um estágio é de 70%.
Desde novembro que o PCP requereu reiteradamente estes dados e nunca obtivemos resposta, certamente porque se trata apenas de propaganda e de demagogia sem nenhuma base de verdade.
Sr.ª Presidente, Sr. Deputados: Estes estágios, cursos e formações mascaram as estatísticas do desemprego, reduzem estatisticamente o número de trabalhadores desempregados, mas não criam qualquer perspetiva de efetiva resolução do problema.
No nosso País existem pessoas que sobrevivem há anos, repito, há anos, neste carrocel da precariedade: estágios não remunerados, estágios profissionais, contratos de emprego-inserção, cursos de formação profissional.
E não vale a pena vir com a conversa estafada de que mais vale um estágio do que o desemprego. A alternativa ao desemprego não é a precariedade, é o emprego com direitos. E só mesmo quem se serve destes estagiários é que pode utilizar este tipo de argumentação.
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputados:
A precariedade do emprego é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho.
Por isso mesmo, o PCP defende que o combate ao desemprego é inseparável do combate à precariedade e, por isso, temos apresentado soluções concretas, que têm vindo a ser sucessivamente rejeitadas por PS, PSD e CDS.
A saber:
A garantia na lei e cumprimento na prática do princípio de que a um posto de trabalho permanente corresponde um vínculo efetivo de trabalho;
A definição de um plano nacional de combate à precariedade na Administração Pública e no setor privado;
A conversão de todos os estágios profissionais, contratos de emprego-inserção e falsos recibos verdes em contratos efetivos, quando respondem a necessidades permanentes;
O reforço da capacidade punitiva e inspetiva da Autoridade para as Condições de Trabalho, designadamente através da contratação do número de inspetores adequado para o combate a este tipo de ilegalidades;
A criminalização do recurso a falsos recibos verdes e a inversão do ónus da prova na conversão deste tipo de contratos em contratação efetiva;
A alteração do Código do Trabalho no combate ao abuso à contratação a prazo para necessidades permanentes.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Já sabemos quais os argumentos que virão da parte do PSD e do CDS quanto ao desemprego e à precariedade, mas os trabalhadores podem contar com o Partido Comunista Português para travar este caminho de retrocesso e de desumanização do trabalho.
Nós contamos com a mobilização e luta dos trabalhadores pela derrota do Governo e desta política para a construção de uma política patriótica e de esquerda, pelo emprego com direitos, por um País mais justo e soberano.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Nuno Sá,
Afirmou que o modelo dos estágios não é o adequado. Não o é, de facto, em 2015, como não foi em 2013, como não foi em 2014, nem em 2011, nem em 2010, nem em 2009. O modelo do recurso a estágios para suprir necessidades permanentes dos serviços da Administração Pública e das empresas do setor privado é um modelo ilegal que conduz à precariedade e está na base da utilização deste mecanismo uma convicção profunda e ideológica de sucessivos governos pela desvalorização do trabalho.
Por isso, o PCP condena, como aqui o fez, o recurso ilegal a este tipo de contratação.
Não podemos deixar de assinalar que, infelizmente, o PS tinha tido oportunidade para se pronunciar sobre propostas concretas que aqui trouxemos, optou por não o fazer na sua intervenção, mas seria muito importante que o fizesse para clarificação de águas entre quem está a combater o desemprego e a precariedade e quem está a defender a instrumentalização do desemprego para o agravamento da exploração.
Há questões concretas em relação às quais estamos de acordo quanto ao diagnóstico. Mas o tempo é de compromisso com soluções concretas da vida das pessoas e, infelizmente, em momentos-chave em que decidiram matérias relativas à conversão dos contratos emprego-inserção, quando se trata de postos de trabalho permanentes, quando se trata de combater aos falsos recibos verdes e a situações inaceitáveis de falso trabalho independente, quando se trata da limitação, no Código do Trabalho, à contratação a prazo, infelizmente, repito, o Partido Socialista não caiu para o lado da esquerda, caiu para o lado da direita.
Da parte do Partido Comunista Português continuaremos neste combate, que entendemos ser de civilização porque é pela valorização do trabalho, e veremos, de forma clara, para que lado é que o Partido Socialista há de cair, porque tem de cair na prática, não pode cair apenas no discurso. O discurso não resolve a vida das pessoas e é no momento concreto em que se aprovam medidas de combate à precariedade que mostramos de que lado estamos, se do lado dos trabalhadores, se do lado do patronato.
(…)
Sr.ª Presidente,
A Sr.ª Deputada fez uma pergunta concreta à qual vou responder, mas, antes, gostaria de referir outra questão.
A Sr.ª Deputada afirmou que não é o Governo que cria emprego. Pois não, é o Governo que destrói emprego. E este Governo tem destruído milhares de postos de trabalho na Administração Pública, porque tem destruído e privatizado serviços públicos e, com isso, tem desmantelado e violado a sua obrigação constitucional de cumprimento das funções sociais do Estado.
Portanto, quanto à necessidade de criar emprego, este Governo não cria, este Governo destrói, como vai fazer necessariamente na segurança social com cerca de 700 trabalhadores.
Importa também dizer, Sr.ª Deputada, que democracia não é só cada um ter a sua opinião. Democracia é existirem direitos fundamentais consagrados na Constituição, que são respeitados. Desde logo, o direito ao emprego com direitos, Sr.ª Deputada. O direito ao emprego com direitos foi uma conquista do regime democrático e o que os senhores estão a fazer é financiar as empresas para terem trabalhadores de borla.
E isso é um desrespeito profundo pela vida dos trabalhadores.
Sr.ª Deputada, nós falamos com eles. Sabe o que é que nos dizem? Dizem que respondem a necessidades permanentes, que fazem falta porque, quando saem, vem outro estagiário. E é assim, uns atrás dos outros, porque respondem efetivamente a necessidades permanentes.
O que entendemos é que, se existe, de facto, uma necessidade permanente, tem de existir um contrato de trabalho efetivo. As pessoas não podem ser utilizadas como material descartável, as pessoas têm direito a ter estabilidade na sua vida profissional e na sua vida familiar. Ninguém pode querer pensar em constituir família se não sabe como é o dia de amanhã. As pessoas não podem ter sonhos de seis em seis meses, as pessoas devem sonhar ter direitos que estão consagrados na Constituição e que estão na base do progresso que este País construiu.
Quanto a este assunto, gostava de dizer outra coisa. O PSD coloca sempre nas mãos das pessoas a decisão de terem de escolher entre o mau e o péssimo, como se não existisse alternativa. A alternativa ao desemprego não é a precariedade, é o emprego com direitos; a alternativa ao estágio não é um contrato emprego-inserção, é um contrato de trabalho com direitos e um salário justo. É por isso que os trabalhadores portugueses vão continuar a lutar pela derrota deste Governo.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Mariana Mortágua,
Referiu, e bem, que os estágios profissionais constituem mais um instrumento de agravamento das condições de trabalho e de vida de tantos trabalhadores no nosso País. Isso radica numa estratégia política e numa opção ideológica de substituir trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos. Os serviços públicos e as empresas deste País, depois de existir um despedimento, seja por extinção do posto de trabalho, seja por não renovação do contrato, recorrem a um estagiário para suprir aquela necessidade permanente. Isto é ilegal e não cumpre o que é fundamental, que é, no caso de haver uma necessidade permanente, ter um contrato efetivo.
Para percebermos bem a dimensão do retrocesso que estamos a viver, gostava de invocar dois exemplos.
Um exemplo é o de uma empresa cuja oferta de estágio diz o seguinte: «Descrição da oferta: estágio curricular na Danone, área de segurança de equipamentos;
Data de início: imediato;
Duração: três meses;
Cursos alvo: engenharias, higiene e segurança no trabalho;
Estágio não remunerado, com oferta semanal de caixa de 24 iogurtes e almoço no refeitório da fábrica».
Este é um exemplo do que é a valorização do trabalho para o Governo PSD e CDS!
Outro exemplo que quero invocar consta do site da NetEmprego e diz o seguinte: «Estágios profissionais para carpintaria em stands e expositores.
Procuramos carpinteiros e serralheiros de alumínio para trabalhar na área de stands». Para além disso, têm direito a um estágio.
Estas pessoas devem agradecer ao Governo? Os Srs. Deputados acham, sinceramente, que estas pessoas devem agradecer ao Governo ou devem exigir dignidade nas suas vidas e lutar por um País mais justo?
Da parte do PCP, cá estaremos do lado da dignidade na vida de todos e de cada um, porque este é um projeto de retrocesso e não contem com o PCP para o seu agravamento.

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