Informação
SOBRE A LEI DOS PARTIDOS
E A LEI DO FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS
Maio de 2003

 

1. O processo da chamada “reforma do sistema político” teve o seu pontapé de saída com o discurso do 25 de Abril de 2002 do Presidente da República, logo secundado pela carta dirigida pelo Primeiro-Ministro à Assembleia da República, o que acabou por resultar na criação de uma comissão eventual de reforma do sistema político.

Esta comissão, ouviu durante meses numerosas personalidades da vida política, juristas, etc, muitas das quais formularam diversas reservas quanto à necessidade ou urgência das alterações propostas.. Na prática, este trabalho, que se arrastou durante meses, bem como aquelas opiniões não tiveram qualquer influência no resultado final, negociado entre PS, PSD e CDS-PP.

A concretização dos textos que acabaram por ser aprovados reflectiu isso mesmo, tendo sido feita nas 48 horas anteriores às votações em plenário, e chegando em relação à lei do financiamento dos partidos a ser decidido no próprio dia, obrigando até ao adiamento do início da sessão plenária.

Neste processo, a alteração a estas duas leis é um primeiro capítulo, estando prometidos outros passos, designadamente em matérias como a limitação de mandatos de cargos públicos e as leis eleitorais para as autarquias locais e para a Assembleia da República.

2. A nova lei dos partidos visa substituir a legislação de 1974, que vigorou até hoje, sem que nunca se tivesse registado qualquer insuficiência ou desajustamento da sua aplicação prática. De facto não havia qualquer razão objectiva que justificasse esta alteração, nem está na lei dos partidos nenhum dos fundamentos do descrédito da vida política. Isso comprova os verdadeiros objectivos de formatação da vida política e de limitação da liberdade de organização dos partidos, designadamente do PCP.

A lei aprovada tem como principal traço o princípio de ingerência na vida e organização interna dos partidos políticos, impondo por lei aquilo que deve estar reservado à decisão dos militantes livremente associados em cada partido. O modelo aprovado corresponde em geral ao que é praticado nos partidos que aprovaram a lei.

Esta ingerência contraria a Constituição, que fala por exemplo no “pluralismo de expressão e organização política democráticas”, na liberdade de associação, dizendo nomeadamente que “As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas” e que “a liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos”. Ora a imposição por uma maioria de deputados, a outro partido, de normas tendo como objectivo atacar a sua forma de funcionamento própria, não está de acordo com estes princípios constitucionais.

A lei aprovada repete inicialmente muitas das normas constitucionais sobre os partidos e princípios já existentes na lei anterior.

Alteram-se normas em relação à criação e à extinção de partidos, aumentando o número de assinaturas exigido para criar um partido de 5000 para 7500, e passando a poder ser extinto um partido que decida não concorrer a duas eleições sucessivas para a Assembleia da República.

Quanto aos novos partidos, o Tribunal Constitucional verifica se os seus estatutos estão de acordo com a lei. Quanto aos partidos já existentes o Tribunal Constitucional pode declarar a ilegalidade de qualquer norma dos estatutos desde que isso seja requerido pelo Ministério Público. Pode ainda haver recurso para o Tribunal Constitucional, por “filiados lesados” de actos eleitorais internos dos partidos, bem como de deliberações de qualquer órgão partidário, fundamentadas em violações dos estatutos ou da lei.

O Tribunal Constitucional passa a verificar, com a periodicidade máxima de cinco anos, que os partidos continuam a ter mais de 5 mil militantes, embora a lei não esclareça como isso se faz .

No que diz respeito ao direito de inscrição em partidos este passa a ser proibido para militares e agentes das forças de segurança, que antes estavam apenas impedidos de participar em actividades político-partidárias com visibilidade pública, podendo em todo o caso ser militantes.

A lei aprovada consagra um capítulo inteiro (contra o qual o PCP votou na totalidade) à definição da organização interna dos partidos. Determinam-se os órgãos nacionais que devem existir (uma assembleia representativa, um órgão de direcção política e um órgão de jurisdição), embora isso aparentemente não exclua a existência de outros

Definem-se ainda outras regras como a de que os membros do órgão de jurisdição não podem ser “titulares de órgão de direcção política ou mesa de assembleia”, o que poderia significar que os membros da Comissão Central de Controlo não poderiam ser membros do Comité Central.

É neste capítulo também que se estabelece que: “As eleições e os referendos partidários realizam-se por sufrágio universal e secreto.”

Para além disso estabelecem-se regras para os procedimentos eleitorais, como a “Elaboração e garantia de acesso aos cadernos eleitorais em prazo razoável.”. Ou a “Igualdade de oportunidades e imparcialidade no tratamento de candidaturas”. Visa-se impor na lei a existência de diversas candidaturas nos processos eleitorais dos partidos.

A lei estabelece um prazo de dois anos para que os partidos já existentes adaptem os seus estatutos à nova lei.

3. A lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais constitui a outra face desta ofensiva, ao visar limitar a intervenção própria de cada partido, em claro prejuízo dos que, como o PCP, tendo uma estrutura e uma actividade junto dos trabalhadores e das populações de dimensão muito deferente da de todos os outros, têm também fontes de financiamento que derivam do esforço das suas organizações e militantes, que agora se quer limitar.

Assinale-se que depois de finalmente em 1998 os restantes partidos terem aderido à proibição de financiamentos por empresas, matéria que o PCP defendeu durante muitos anos sozinho, a lei passou a reunir a unanimidade e o consenso, agora quebrados por este processo legislativo.

A lei teve em todo o processo o empenhamento do PS, apesar de ter votado contra no final, mas só por querer o aumento imediato das subvenções estatais.

Partidos
Lei anterior
Lei aprovada
Aumento
 
Mil €
Contos
Mil €
Contos
Mil €
Contos
PSD
3488
699344
5812
1165279
2324
465935
PS
3280
657574
5465
1095681
2185
438107
CDS
756
151641
1260
252672
504
101031
PCP/PEV
602
120729
1004
201185
402
80456
BE
237
47529
396
79351
159
31822

A lei aprovada contém várias normas que além do mais são absurdas e que não têm qualquer justificação assente em necessidades de transparência, antes só podem ser explicadas pelo propósito deliberado de condicionar a liberdade de iniciativa de partidos como o PCP que, ao contrário do PSD, do PS e do CDS-PP que vivem sobretudo das subvenções estatais, vivem sobretudo da angariação de receitas próprias.

A lei prevê que o conjunto das receitas próprias ( que incluem, por exemplo, as quotas e outras contribuições de militantes, as contribuições dos eleitos e o resultado de iniciativas de angariação de fundos), quando em numerário sejam obrigatoriamente tituladas por cheque ou outro meio bancário (isto é, não podem ser em dinheiro). Apenas se admite a recolha em numerário de um montante por ano e por partido não superior a 50 salários mínimos nacionais (17830 € ou 3574 contos), o que é uma excepção insignificante e irrelevante.

A lei aprovada aumenta em dois terços (66,6%) a subvenção pública para o financiamento corrente, aumento de que beneficiam especialmente os dois partidos mais votados, conforme se depreende do quadro abaixo, baseado nos resultados das últimas eleições para a Assembleia da República.

São particularmente graves as alterações relativas às iniciativas de angariação de fundos. Enquanto até aqui, havendo um limite de 1500 salários mínimos por ano (549 900€ ou 107 237 contos) para estas iniciativas, estavam excluídas deste limite as chamadas “iniciativas especiais de angariação de fundos com oferta de bens e serviços”, onde se inclui a Festa do Avante! (mas também outras iniciativas político-culturais, bancas, etc.), na lei agora aprovada o limite é o mesmo mas sem excepções e deixando claro que a intenção é a de atingir uma das mais importantes fontes de receitas do PCP, que é ao mesmo tempo a mais importante iniciativa político-cultural do país.

Isso está bem patente, entre outras, numa das intervenções do PSD no debate em plenário, quando o deputado Marques Guedes afirmou: “O Partido Comunista que faça a sua Festa do Avante e que baixe os preços da mesma que o povo português agradecerá.”. (!)

Acresce que, desaparecendo a referência a esta figura especial das angariações de fundos «com oferta de vens e serviços», desaparece também a anterior exigência de estas iniciativas deverem ser objecto de contas próprias para efeitos de fiscalização (o que aliás o PCP cumpria).

Quanto aos donativos singulares, são obrigatoriamente titulados por meio bancário, não podendo ultrapassar 25 salários mínimos nacionais por doador (8915 €). Ficam proibidos os donativos anónimos.

As despesas dos partidos políticos continuam como antes a ser feitas por cheque ou outro meio bancário, só que antes isso era obrigatório a partir de 2 salários mínimos nacionais e agora esse limiar passa para apenas 1 SMN. sempre que forem inferiores ao um salário mínimo nacional. Mas agora as despesas inferiores a 1 SMN só são dispensadas daquela exigência até ao limite de 2% da subvenção anual do Estado. Se isto significar a subvenção de cada partido, então o PSD e o PS terão limites substancialmente diferentes do PCP.

Quanto ao financiamento das campanhas eleitorais, que tem um regime próprio, os traços fundamentais são o aumento das subvenções públicas e a ampliação dos limites das despesas admissíveis em campanha eleitoral, ou seja, precisamente em sentido contrário às propostas feitas pelo PCP de redução – ainda que moderada – dos limites até aqui em vigor.

A subvenção eleitoral é distribuída em 20% de forma igual por todos os partidos e em 80% proporcionalmente aos resultados obtidos (excepto nas autárquicas onde a divisão também já era de 25%/75%). A subvenção total a distribuir passa a ser de 20 000 salários mínimos nacionais para as eleições para a Assembleia da República (antes 10 000), 10 000 para a Presidência da República e o Parlamento Europeu (antes 5 000), e 4 000 para as Regiões Autónomas (antes 1 000). Isto é, aumentam para o dobro excepto nas Regiões Autónomas onde aumentam 4 vezes. Para as autarquias locais a subvenção a repartir, passa de 50% do valor fixado para as despesas eleitorais em cada município, para 150%, aumento que é agravado pela subida dos limites de despesas eleitorais.

Assim os limites são:

- Lisboa e Porto – 1 350 salários mínimos nacionais (antes 450)
- Municípios com 100 mil eleitores – 900 s.m.n.(antes 300)
- Municípios com 50 mil eleitores – 450 s.m.n. (antes150)
- Municípios com 10 mil eleitores – 300 s.m.n. (antes 100)
- Municípios com menos de 10 mil eleitores – 150 s.m.n. (antes 50)

- Presidência da República – 10 000 s.m.n. (antes 4.400)
mais 2 500 para a 2ª volta (antes 1 200)
- Assembleia da República – 60 s.m.n. por candidato (antes 28)
- Assembleias Legislativas Regionais – 100 s.m.n. por candidato (antes 16)
- Parlamento Europeu – 300 s.m.n. por candidato ( antes 144)

Passam a considerar-se despesas eleitorais as feitas nos seis meses anteriores ao acto eleitoral, enquanto anteriormente se consideravam as posteriores à publicação do decreto de marcação das eleições. As despesas eleitorais estão sujeitas às regras atrás referidas para as despesas correntes dos partidos, sendo neste caso o limite das não documentadas com instrumento bancário de 2% dos limites fixados para as despesas de campanha.

Nas campanhas as iniciativas de angariação de fundos têm de ser tituladas por cheque ou outro meio bancário na sua totalidade.

A lei exige a inclusão nas contas nacionais das contas estruturas regionais, distritais ou autónomas, passando as contas relativas às eleições autárquicas a ser feitas com base municipal. De referir que, desde que essa exigência foi formulada pelo Tribunal Constitucional, o PCP sempre apresentou contas nacionais referentes a todas suas estruturas e organizações, mas que o PSD, o PS e o CDS-PP nunca até hoje o fizeram – ou não o fizeram de forma completa – limitando-se quase sempre as suas contas nacionais à actividade central. A lei agora aprovada deixou de falar em «estruturas descentralizadas», o que pode vir a permitir que aqueles partidos se continuem a furtar a incluir nas suas contas as contas das suas organizações a nível concelhio ou de freguesia.

No que respeita à fiscalização, todas as competências passam a estar no Tribunal Constitucional, que será coadjuvado tecnicamente por um órgão independente – a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. Esta entidade, entre outras competências, pode realizar “a qualquer momento, por sua iniciativa ou a solicitação do Tribunal Constitucional, inspecções e auditorias de qualquer tipo ou natureza a determinados actos, procedimentos e aspectos da gestão financeira quer das contas dos partidos políticos quer das campanhas eleitorais.”.

Quanto às sanções, e mantendo-se as coimas anteriormente existentes, passam a estar sujeitos a pena de prisão de 1 a 3 anos os dirigentes de partidos políticos, pessoas singulares, administradores de pessoas colectivas, mandatários financeiros, candidatos presidenciais e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que pessoalmente participem na atribuição ou obtenção de financiamentos ilícitos.

A lei só entrará imediatamente em vigor, sendo promulgada, no que toca à proibição de donativos anónimos e à manutenção da proibição de financiamento por empresas. Tudo o resto só se aplicará em 1 de Janeiro de 2005.

Registe-se ainda que as normas que se referem ao Tribunal Constitucional necessitavam de maioria qualificada de dois terços, o que não aconteceu, havendo portanto uma inconstitucionalidade formal, que previsivelmente será resolvida.