Sobre a Regionalização
Intervenção do deputado Rogério Brito
24 de Setembro de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Não espantará que um autarca intervenha neste Parlamento para falar de regionalização. Como nenhuns outros, os autarcas sabem quanto pesa e quanto custa a relação com um Estado irracionalmente centralizador.
Quantas capacidades e recursos se esgotam e se perdem numa luta permanente contra os excessos de burocracia, contra o arbítrio, contra a cultura e o exercício da prepotência, instalados na Administração Central ?!
Como nenhuns outros, os autarcas sabem da enorme distancia e das contradições entre o discurso, as promessas de pareceria e de subsidariedade e o colete de forças e a ineficácia da organização e de uma actuação do estado centralizador que teima em persistir.
Por isto, e antecipo desde já, que não tenho qualquer constrangimento de afirmar as razões e convicções que em meu entender justificam a regionalização sem prejuízo do respeito que democrática e civicamente devo àqueles que comungam de opiniões diferentes. Só que, lamentavelmente, a grande maioria dos adversários da regionalização não têm manifestado este respeito e têm transformado o que devia ser um debate esclarecido e esclarecedor, numa autêntica farsa, onde a dramatização caricata e a especulação têm sido utilizadas como armas de arremesso contra os cidadãos, contra a lucidez, procurando confundir e atemorizar em vez de esclarecer, não raras vezes atingindo as raias do terrorismo verbalista:
- Vale a pena atentar nalgumas das expressões desta técnica de desinformação e confusionismo;
- Procurar impedir que os cidadãos saibam e entendam o que são regiões administrativas, confundido-as com regiões autonómicas ou, ainda pior, com "regiões / nação" - somos um País com 850 anos de história, com as fronteiras mais antigas da Europa, temos uma única língua - toda esta panóplia de expressões pseudo-patrióticas são utilizadas, sem qualquer razoabilidade, mas tão somente explorando a falta de informação e esclarecimento, para criar fantasmas sobre os perigos de divisão de Portugal e dos Portugueses. Como se o que estivesse em causa fosse regiões com poderes legislativos e autonómicos;
- Invocar a pequenez do País como argumento contra a regionalização, como se estivesse em causa a divisão e criação de fronteiras no País e como se a burocracia, os caminhos tortuosos do arbítrio e da prepotência de um estado centralizador se medisse em quilómetros;
- Descredebilizar a democratização e modernização do Estado, estabelecendo a relação - regionalização igual a mais políticos, mais políticos igual a mais tachos e mais corrupção. É espantoso como aqueles que protagonizaram tantos anos um poder e uma actuação geradores de cargos políticos absolutamente dispensáveis, de tachos para a família partidária, falam agora da regionalização como se fosse ela que viesse a inventar e criar aquilo que eles próprios forjaram, alimentaram e anquilosaram na administração durante anos consecutivos de governação;
- Atemorizar os cidadãos com a máxima - Regionalização igual a maior despesismo e a mais impostos, como se esta relação causa / efeitos fosse uma inevitável e inquestionável consequência, não considerando sequer que a racionalização e descentralização da estrutura do aparelho e da máquina administrativa conduzem à redução dos mesmos, à diminuição dos orgãos e serviços desconcentrados, que equipamentos e funcionários podem ser colocados ao serviço das regiões, que as Juntas Regionais eleitas vão substituir quadros políticos nomeados pelo Governo, que o número de Governadores e Governos Civis vai diminuir, que as Assembleias Regionais vão substituir os actuais Conselhos Regionais das áreas das Comissões de Coordenação Regional, escamoteando que o actual labirinto burocrático/administrativo da Administração Central tem, porventura, custos diários infinitamente superiores ao somatório dos custos da regionalização durante um ou mais meses de funcionamento;
- Inculcar a ideia de que a regionalização administrativa vai gerar injustiças fomentar "lobbies" sempre em beneficio dos mais fortes, como se a regionalização, que ainda nem sequer foi referendada, fosse responsável pelas profundas assimetrias inter e intra-regionais e pelas relações iníquas entre a Administração Central e as regiões que colocaram este País na cauda da Europa. Como se a regionalização fosse criar as regiões mais atrasadas da União Europeia, escondendo que foram eles, a maioria dos anti-regionalistas de hoje, que protagonizaram governos e políticas que conduziram o Alentejo e outras regiões do interior do País à situação das mais atrasadas da denominada Europa Comunitária;
- Finalmente, procurar afirmar o municipalismo e o reforço das suas competências como alternativa à regionalização. Não concordando com esta opção, entendo no entanto que este é o único dos argumentos avançados com seriedade.
Em todo o caso importa clarificar alguns aspectos decorrentes desta problemática. Primeiro a regionalização não tem que conflituar com as competências dos municípios. Aliás, a generalidade dos autarcas defendem a regionalização com o reforço simultâneo das competências dos municípios. Em segundo lugar as regiões administrativas e os municípios devem complementar-se. Estes passam a ter a nível do ordenamento e do planeamento regional um interlocutor político que hoje não existe. Em terceiro, há que ter consciência de que o planeamento e a gestão regionais não podem ser o somatório de PDM (Planos de Desenvolvimento Municipais) e que as regiões são necessariamente unidades de gestão territorial que vão além do espaço que resultaria da simples associação de municípios.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A regionalização administrativa visa esbater as brutais assimetrias entre as zonas de densificação e congestionamento e as zonas de despovoamento ou seja, melhorar a qualidade de vida e reduzir a exclusão social nas grandes concentrações ubano-industriais geradas pela litorização e refazer o tecido humano e a economia nas zonas em desertificação no interior do País.
Isto implica que à regionalização estão implícitas a coesão económica e social e a solidariedade. A primeira implica a recuperação das desigualdades de rendimento e das disparidades de desenvolvimento entre e dentro das regiões. A segunda implica uma adequada resposta aos problemas que constituem as disparidades económicas, os efeitos da periferia e a exclusão social.
Por tudo isto, entendo como um imperativo levar o esclarecimento e a informação, com verdade, ao todo nacional. Aos alentejanos, aos beirões, aos transmontanos, aos minhotos, aos algarvios, a todos os portugueses espalhados pelo País. O sim à regionalização permitirá a cada um de nós, a cada português, contribuir para abrir caminho a um processo que pode e deve ajudar a combater e vencer muitas das causas que os levaram a ter que sair da sua terra, irmanados na angustia de quem viu e vê as suas aldeias e vilas a desvitalizarem-se economicamente, a envelhecerem, a desertificarem-se a perderem a seiva dos seus filhos e a alma das suas gentes.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Permitam-me agora que invoque a minha condição de Alentejo porque se há realidade humana, social, económica e cultural que atesta a imperiosa necessidade da regionalização administrativa, essa realidade é a do Alentejo. Porque o Alentejo, na sua história, nos seus constrangimentos estruturais e sócio económicos, mas também na riqueza e da diversidade do seu património humano, histórico, edificado, ambiental e paisagístico ganhou a dimensão de uma unidade de gestão territorial com identidade própria.
Termino afirmando que a grande ameaça à coesão nacional, que o fermento da divisão entre os portugueses e os maiores custos que temos suportado, são a pobreza, as profundas assimetrias que atingem o País, que asfixiam o seu interior e permitem a iniquidade e o arbítrio como regra na distribuição dos recursos. Estes são os custos reais, os enormes custos que o Alentejo, que Portugal já pagaram pelo Estado centralizado e centralizador.
A regionalização não é, não será seguramente, a resolução de todos os problemas económicos e sociais deste País, estará sempre condicionada pelas políticas nacionais. Até por isto mesmo, a regionalização tem riscos, tal como a democracia em si mesma também tem riscos, mas são o único caminho para viabilizar uma estratégia de progresso, fortalecer a unidade nacional e afirmar a soberania dos cidadãos.
Disse.