Ordenamento do território
Intervenção do deputado Joaquim Matias
5 de Março de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
Uma Lei de Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo assume grande utilidade
e importância na definição e orientação das linhas programáticas do desenvolvimento
sustentável do nosso País orientado para a promoção da melhoria da qualidade
de vida da nossa população, com respeito pela preservação dos recursos naturais
e ambientais. Disciplinar a utilização do uso do solo, promover a renovação
e reestruturação de núcleos envelhecidos e degradados, preservar e recuperar
o nosso património colectivo, salvaguardar e reabilitar os recursos ambientais
e naturais deverão ser objectivos centrais de uma tal lei cuja necessidade está
bem patente na forma desorganizada e contraditória dos nossos espaços urbanos,
rurais, agrícolas, florestais, paisagísticos e ambientais.
Não é aceitável que continuemos a localizar infraestruturas com carácter estruturante
no ordenamento do território sem uma estratégia clara. Este procedimento dá
inevitavelmente origem à actuação de grupos de pressão tentando impor a defesa
de interesses particulares mais ou menos legítimos aos interesses públicos,
os quais na ausência de normas precisas e por todos assumidos, nem sempre são
visíveis.
De resto, a execução da Lei de Bases do Ordenamento do Território resulta de
um imperativo constitucional, artigo 165º da Constituição da República Portuguesa,
que estabelece igualmente para a sua aprovação competência reservada da Assembleia
da República.
Por fim, existe igualmente a necessidade de preencher uma grave lacuna do nosso
ordenamento jurídico, pondo cobro a um conjunto de normas desarticuladas, sem
coerência, muitas vezes contraditório, constituído pela actual legislação avulsa
sobre planeamento e urbanismo, justamente pela falta de bases programáticas
que enformem e informem esta legislação.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
Para o PCP, a aprovação de uma Lei de Bases do Ordenamento do Território que
corresponda às necessidades reais do nosso País é uma tarefa essencial, fundamental
e prioritária. Há pouco mais de duas semanas, o nosso Grupo Parlamentar promoveu
a realização de um seminário que contou com cerca de uma centena de participantes,
entre representantes de organizações sócio-profissionais e de defesa do ambiente,
autarcas, académicos e técnicos especialistas das múltiplas disciplinas que
concorrem para o correcto ordenamento do território.
Não é possível, aqui e agora, transmitir toda a riqueza do conjunto das intervenções
efectuadas, nem o manancial de informação e formação recolhidos, ressaltou no
entanto reforçada a convicção, que é também a nossa, de que a proposta de Lei
de Bases do Ordenamento do Território apresentada pelo Governo, cuja discussão
estamos a efectuar, necessita de profundas correcções e clarificações sobre
legislação complementar, as quais não se podem limitar a ligeiras alterações
de forma.
Isto é: esta proposta necessita de ser trabalhada e enriquecida com contribuições
múltiplas e variadas, sem deixar de ser obviamente uma lei de bases. É necessário
introduzir-lhe correcções de conteúdo, com o objectivo de clarificar a lei,
conferir-lhe maior eficiência normativa no sentido do rigor que se pretende
para o ordenamento do território e no respeito pela aplicação de princípios
e objectivos, definidos aliás no Capítulo I da proposta, mas cuja aplicação
não está, a nosso ver, assegurada pelo restante articulado.
Caso o PS, naturalmente porque é o partido que apoia o Governo proponente, esteja
aberto à discussão na especialidade e à introdução de alterações que, repetimos,
não são ligeiras correcções de conteúdo, estamos disponíveis para contribuir
para a elaboração dessas alterações e para a aprovação de uma importante Lei
de Bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo.
Apesar de demasiado tempo ter decorrido entre a discussão pública do ante-projecto
apresentado pelo Governo e a apresentação desta versão da proposta de lei, o
Grupo de Trabalho encarregado da sua execução não conseguiu traduzir para o
articulado da proposta de lei muitas contribuições, bastante positivas, apresentadas
pelas mais variadas organizações durante o período de discussão pública que,
aliás, teve uma participação muito significativa de todos os sectores de actividade
interessadas, bem como das autarquias locais e das suas Associações, e das Associações
de Defesa do Ambiente.
Relativamente à proposta, sem entrar naturalmente na discussão na especialidade
há algumas questões de principio que terão a nosso ver que ficar bem definidas:
Em primeiro lugar afigura-se-nos absolutamente fundamental a questão da transformação
do uso do solo e da concepção que a lei adopte nesta matéria que a nosso ver
não está clarificada.
Isto é: Em que medida é que a transformação da estrutura fundiária é entendida
como parte integrante do direito de propriedade, ou pelo contrário em que medida
é entendida como uma prerrogativa do sector público, seja ao nível central,
regional ou local.
A concepção a adoptar é tanto mais confusa quanto a conjugação dos artigos 15º
e 18º não têm de forma alguma em conta a realidade existente e podem conduzir
à inexequibilidade de todos Planos de Ordenamento do Território.
De facto a redução da classificação do solo às categorias urbana e rural introduz
distorções dificilmente ultrapassáveis se conjugadas cegamente com os conceitos
de indemnização, compensação e perequação. Acontece que os Planos Directores
Municipais, elaboradas na ausência de uma política de solos tem naturalmente
enormes perímetros urbanos que reflectem não a previsibilidade de urbanização
mas sim a sua admissibilidade. Ora transformar estes espaços na ausência de
uma melhor classificação em solo urbano, sem sequer possuírem, infra-estruturas
de qualquer espécie não é de modo algum legitimo e introduz custos de compensação
e indemnização que impediriam a execução de qualquer plano como facilmente se
depreenderá.
Em segundo lugar a questão da hierarquia dos Planos Municipais, Regionais, Sectoriais
e Especiais.
Rejeitamos liminarmente que se parta do principio que a Administração Central
defende necessariamente todos valores correctos do ordenamento do território
(ambientais, patrimoniais, interesse público, etc.) e a ameaça vem sistematicamente
das autarquias locais.
Decorre do art. 9º da Constituição da República Portuguesa que compete ao estado
assegurar o ordenamento do território, o urbanismo de qualidade, mas tal não
significa que compita ao Estado fazê-lo através de intervenção casuística e
avulsas, de forma que tudo o que for importante seja retirado à competência
Municipal, quando ao contrário a prática tem demonstrado em inúmeros casos que
a Administração Central tem chamado a si a elaboração directa de determinados
planos para defesa de valores que só ela saberia salvaguardar e, posteriormente,
através de normas excepcionais, de actos administrativos e avulsos, acabe ela
própria por esvaziar o conteúdo do próprio plano.
A intervenção do Estado deve ser uma intervenção fundamentalmente normativa.
A elaboração de normas gerais além de ser um garante de maior transparência,
salvaguarda a democraticidade do processo legislativo ou do processo regulamentar,
impede actuação avulsas que frequentemente são discriminatórias e defende o
princípio da igualdade, questão fundamental no ordenamento do território.
Desta forma os poderes da Assembleia da República e o princípio do contraditório
com intervenções de partidos políticos que a Assembleia permite, ficam igualmente
salvaguardados.
Resulta ainda que a hierarquia dos planos não pode ser a aplicação que resulta
da hierarquia existente no seio de uma mesma pessoa colectiva. Tem que haver
uma delimitação nesta matéria de atribuições e competências entre o Poder Central
e o Poder Local como existe noutras áreas.
Não é admissível e dificilmente se pode compreender que um Plano Director Municipal
acompanhado na sua elaboração pela Administração Central e ratificado pelo Conselho
de Ministros, seja substituído por planos avulsos. Naturalmente que os planos
sectoriais são necessários mas deveriam sempre constituir instrumentos de ordenamento
do território transitórios até à sua inteira e total adequação aos planos municipais
em que interferem.
Em terceiro lugar afigura-se-nos importante conhecer desde já alguns aspectos
da regulamentação que o Governo terá necessariamente que implementar e que são
fundamentais para a aplicação prática da lei de bases.
Em conclusão, as regras fundamentais do direito de urbanizar e construir.
Não significa isto conhecer e votar artigo a artigo esses diplomas previamente
à ler de bases, mas sim conhecer os seus aspectos fundamentais.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Concluindo, estamos disponíveis para colaborar na elaboração das necessárias
alterações a efectuar a esta proposta de lei, se para tal houver acordo dos
proponentes.
Há questões como a concepção da transformação do uso do solo e as atribuições
e competências do Poder Local que para nós são extremamente importantes. O nosso
objectivo primeiro é antes de mais encontrar o caminho para um ordenamento do
território e urbanismo de qualidade que defendam valores fundamentais.
Disse.