"Prostituição e tráfico de mulheres - Novas faces de uma velha escravatura" Debate
Intervenção de Inês Fontinha, socióloga, Directora de "O Ninho"
3 de Outubro de 2003

 

Agradeço o convite feito pelo Grupo Confederal Esquerda Unitária Europeia/Esquerda verde Nórdica do Parlamento europeu e do Partido Comunista Português

Estou aqui em representação de O Ninho, Instituição Particular de Solidariedade Social que tem por objectivo a promoção humana e social de mulheres vítimas de prostituição.

O Ninho, ao longo dos anos, tem tido uma intervenção séria e coerente na denúncia da prostituição. Na denúncia das suas causas e consequências. Parte do conhecimento adquirido ao longo de 36 anos de trabalho directo com pessoas prostituídas e da troca de experiências com organizações congéneres da Europa e do Brasil .

Conhecer o meio prostitucional e os seus agentes foi o início de uma intervenção inovadora que, na década de sessenta poucas pessoas compreendiam.

Os serviços vão sendo estruturados de acordo com as solicitações feitas pelas mulheres e com a aprendizagem que os técnicos foram fazendo ao longo do seu percurso de trabalho directo com as mulheres.

Conhecemos a origem social das mulheres e dos clientes. Conhecemos os proxenetas ( os companheiros, como elas dizem )

Conhecemos mulheres que foram traficadas, vendidas para certos países.

O tráfico de mulheres é organizado por associações criminosas.

“A prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro. É uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais e transnacionais onde existem três parceiros: pessoas prostituídas, proxenetas e clientes.”

O Ninho utiliza uma metodologia capaz de “sistematizar a memória oral dos indivíduos em análise, abrangendo, para o efeito, a preocupação de se aproximar cada vez mais do real concreto”(...)

Assim, para atingir este domínio, a opção pelas “ Histórias de Vida” ou “Récits de Vie” que pressupõe a “ técnica de escuta (...) que vem fazer falar os povos do silêncio”, através das raparigas e mulheres que acompanhamos. Este método permite-nos organizar o sentido e a consistência das suas vidas na interacção com as estruturas e com as instituições sociais. É, pois, aqui, que reside a “ veracidade” das histórias e a “sinceridade” dos actores na articulação coerente com o seu percurso.

Assim, a história de vida, enquanto material qualitativo personalizado, reveste-se ou pode revestir-se daquele aspecto de exercício em liberdade, que caracteriza, com efeito, a escrita de um diário. ( Brilhante, M. 2000)

A intervenção primeira de O Ninho foi o trabalho de rua, nos locais onde as mulheres são procuradas pelos clientes.

Conhecer o meio prostitucional, compreender as causas e consequências da prostituição, perceber as mudanças que se verificam no “meio” é indispensável para planear acções que visam a promoção das jovens e mulheres que são prostituídas.

Por isso conhecer o grupo alvo é a primeira etapa a realizar, fazendo simultaneamente investigação/acção. Conhecer os agentes que fazem parte do sistema prostitucional, as regras exigidas, as infra-estruturas - os bares, as pensões, as amas, os bares de espera, os bares de alterna, os bares de luxo, as casas fechadas, os hotéis...

O objectivo integra-se, naturalmente, na finalidade de O Ninho : a promoção humana e social de pessoas prostituídas e, por isso, vai ao encontro das mulheres nos vários locais onde elas se encontram. Esta aproximação é o primeiro passo para a mulher sentir que existe uma Instituição que a considera como “pessoa única e singular” com dignidade inerente a todo o ser humano, independentemente do seu comportamento. Ela, a mulher, vive em contradição, em conflito consigo mesma, “não é isto que eu queria para a minha vida”.

Os valores que ela própria considera como válidos, não se coadunam com a sua permanência no meio prostitucional; - “ eu estou aqui por pouco tempo , logo que resolva uns problemas eu saio disto”.

Isto significa que: a permanência na prostituição não faz parte dos planos das mulheres. O plano é outro: encontrar uma saída.

“Tire-me daqui, eu já não suporto esta violência, isto é uma morte lenta”

“ Não há ninguém que me possa ajudar. Eu devo dinheiro a uma amiga. Eu devo à ama, eu ainda não paguei a pensão. Hoje tenho que fazer dinheiro”.

“ Eu tenho quatro filhos. Pago 350 €uros de renda de casa, mais água, luz, gás. Onde vou arranjar dinheiro para pagar tudo isto? Já tenho quatro meses de renda em atraso. Se tenho uma acção de despejo, onde vou deitar os meus filhos ?”

É bem significativo o sentimento de “beco sem saída” em que estas mulheres vivem e não sabem o que fazer, nem como fazer.

“O meu companheiro está desempregado. Ele coitado bem queria ajudar, mas só consegue biscates e o que recebe não chega para quase nada.”

Para as jovens e mulheres o chulo é a sua verdadeira relação afectiva. É “o protector” e é elemento de socialização.

Podemos afirmar que as mulheres prostituídas são provenientes de bairros degradados, de casas sobrepovoadas, de famílias numerosas, de pais alcoólicos. Sofreram maus tratos, abandonos, violações, incestos. Passaram fome. Não se sentiram amadas. Trabalharam na infância a ajudar no campo, a “servir em casa alheia”, a cuidar dos irmãos mais novos. Não foram à escola, e quando a frequentaram não tiveram sucesso, e quando o tiveram, foi só até ao 4º , 6º ou 7º ano de escolaridade. Cresceram depressa... Namoraram cedo, engravidaram cedo e depois foram abandonadas.

“sentia o olhar acusador da minha mãe. Aos 16 anos já tinha feito dois abortos. Do terceiro já não tive coragem !”

Na rua a prostituição é visível, as mulheres têm imagem pública. O contacto é fácil. Podemo-nos aproximar, conversar, dizer-lhes que estamos disponíveis para apoiar, podemos falar-lhes dos seus direitos enquanto pessoas, podemos criar relacionamentos empáticos que possibilitam referências positivas e que são valorativos para quem se sente marginalizado e, ao longo da sua vida interiorizou, o estigma da exclusão.

Existem outros locais de prostituição : bares de luxo, hotéis, casas de passe, casas de massagens, agências.

Só que nestes locais os clientes têm alto poder económico e as mulheres têm uma aparência que as faz aproximar (confundir) com a origem social do cliente. E, por isso, a ideia generalizada de que as pessoas que se prostituem nestes locais são de uma classe social diferente das que são prostituídas na rua.

A prostituição funciona como um mercado: oferta/ procura e, como em qualquer mercado, a oferta adapta-se à procura e, por isso, o aspecto bem cuidado das mulheres que são prostituídas nestes locais. E devido aos nossos estereótipos de pertença, inconscientemente as colocamos na classe social do cliente.

“ Tenho que me vestir muito bem. A roupa interior também tem que ser muito bonita. Os clientes são muito exigentes quanto ao nosso aspecto. Também se não estivermos bem vestidas o porteiro não nos deixa entrar”.

A violência nestes locais é oculta. É exercida entre paredes.

“No quarto do hotel, eu sujeito-me a tudo o que o cliente quiser fazer e não posso fazer nada. Ele é que tem o poder, porque é ele que tem o dinheiro. Estive horas a fazer de estátua em cima de uma cadeira e o cliente a olhar deitado na cama. Já me queimaram com pontas de cigarros”

Existem clientes que contratam várias mulheres para assistirem a práticas sexuais entre elas e promovem bacanais.

As agências
São locais que funcionam como um “ escritório”. Têm 5 / 6 telefones ou menos e telemóveis ( muitos vêm em anúncios classificados dos jornais). Têm sob o seu controle várias mulheres: brancas, negras, asiáticas, brasileiras, romenas, russas...

O cliente telefona diz o tipo de mulher que quer. Combinam o preço, o local do encontro ( o andar) e contactam com a rapariga para o seu telemóvel.

O tráfico
Encontramos redes de tráfico nas ruas da cidade de Lisboa. São mulheres oriundas de outros países e até continentes que querem “fugir” à pobreza extrema e que vêm para a Europa com a promessa de um trabalho e que são colocadas na prostituição.

Estas jovens e mulheres não falam português. São muito reservadas quanto a contactos com outras mulheres e com pessoas exteriores ao “meio”. Sabemos que estão ilegais, não têm documentos ( foram-lhes retirados pela rede de proxenetismo) e que ao fim do dia entregam o dinheiro ganho a uma pessoa pertencente ou controlada pela rede.

Ficam com algum dinheiro que enviam para a família que ficou no país de origem, porque a vinda para a Europa foi com o objectivo de ganharem dinheiro para mandar para a família a fim de assegurar a sua sobrevivência. Na rede existem indivíduos conhecidos da família que ameaçam contar-lhe a “vida” que fazem se tentarem fugir.

Estas mulheres vivem no “terror” do repatriamento, pois se a ameaça se concretizar são rejeitadas pela família e pela comunidade, ou são mortas, ou ficam novamente nas mãos dos proxenetas.

Existem também mulheres traficadas em casas fechadas. Sem documentos e ilegais, não têm contactos senão com as pessoas pertencentes à rede, e com os clientes.

Têm dificuldade em comunicar umas com as outras pois são de países diferentes e não falam, por isso, a mesma língua.

Estas casas espalham-se pelo nosso país como “cogumelos”.

Conhecemos várias que estão adaptadas ao estatuto social do cliente.

Casas de luxo são compradas pelo proxenetismo (branqueamento de capitais), onde estão jovens, que são prostituídas por clientes de luxo. Estas jovens percorrem o nosso país de norte a sul, permanecendo no máximo 1 a 2 meses em cada casa e depois são vendidas para outros países.

Existe também um tráfico interno, isto é, jovens portuguesas que são prostituídas em casas fechadas e que, também elas, ficam prisioneiras de um sistema fechado, percorrendo o país num circuito de venda de proxeneta em proxeneta. Esta situação não é considerada na lei como tráfico.

Conhecemos uma casa de passe, numa zona de luxo da cidade de Lisboa, onde as mulheres são vestidas à moda do século dezanove e que faculta também fatos da mesma época aos clientes.

A economia tornou-se global e as pessoas já não são recrutadas apenas na periferia das grandes cidades ou nas zonas pobres de Portugal.

Já não são só as filhas de portugueses pobres que se prostituem. O campo de recrutamento cresceu. Hoje, em diversos locais da cidade, multiplicam--se jovens africanas, asiáticas, brasileiras, da América Latina, da Europa de Leste que sofrem diante dos nossos olhos a forma mais violenta de escravatura.

O mundo todo com os seus níveis de subdesenvolvimento cruéis transforma-se numa reserva gigantesca de mulheres, de jovens e de crianças para a indústria do sexo global.

Segundo a ONU, quatro milhões de mulheres e de raparigas são anualmente compradas em todo o mundo.

Calcula-se que todos os anos, cerca de 200 mil mulheres provenientes de países de Leste caem nas mãos de proxenetas europeus.

A Liga Feminina de Kiev afirma que “nos últimos anos 100 mil ucranianas foram vítimas de redes criminosas da indústria do sexo” ( Le Monde Diplomatique).

Segundo a Interpol “ o negócio da exploração sexual entre os dois lados da Europa (Ocidental e de Leste) está em plena explosão”.

Na Polónia a prostituição estrangeira concentra-se nos grandes eixos que conduzem à Alemanha.

Na Bulgária, cerca de 10 mil raparigas caíram nas malhas dos proxenetas.

Desenvolve-se um autêntico mercado de escravas (segundo a Associação Animus).

Os traficantes romenos leiloam ucranianas, moldavas, romenas, búlgaras, russas. Despidas, exibidas, são compradas , por cerca de mil marcos (511,3 €uros ) por proxenetas que as violam antes de as fazer seguir para outros países.

Uma rapariga caída nas mãos de um proxeneta, passa dois meses numa casa de passe. É depois vendida por 2.500 dólares ( 2.709 €uros ) a outro proxeneta ainda mais brutal que o primeiro.

Uma jovem foi vendida dezoito vezes.

As mulheres são reduzidas à escravatura.

Existem autênticos campos de sujeição onde as raparigas são violadas, domadas.

No total , a prostituição poderá representar um volume de negócios entre os 5 mil milhões de dólares e 7 mil milhões de dólares ( entre 5,4 e 7,6 mil milhões de €uros ) . Segundo a Interpol uma mulher prostituta consegue entregar anualmente 107 mil €uros ao seu proxeneta.

Uma mulher tem entre 15 a 30 clientes por dia, porque é suposto entregar entre 457 e 914 €uros se não quiser ser espancada.

Em Paris a prostituição gera um volume de negócios anual avaliado em 3 milhões de €uros.

“O negócio da prostituição é um negócio muito menos perigoso do que o tráfico de droga, porque não existe nenhum quadro jurídico internacional para combatê-lo” (Gerard Stoudman, da Organização para a Cooperação e a Segurança na Europa - OSCE ).

A causa do recurso à prostituição é sobejamente conhecida: a miséria.

A maioria das mulheres espera ganhar dinheiro suficiente para regressar ao seu país e ajudar as famílias a sobreviver.

Três quartos delas nunca se tinham prostituído antes.

Prostituição é a efectivação de práticas sexuais, hetero ou homossexuais, com diversos indivíduos e remuneradas, num sistema organizado.

O meio prostitucional funciona como um mercado de oferta e de procura. Oferta por parte da mulher que se vende, procura por parte do homem que a compra. Este é o caso mais simples, mas o mais raro. Na maioria dos casos (oito ou nove em cada dez), segundo observadores na Europa, intervém uma terceira pessoa:

- o organizador e explorador do mercado, o chulo ou proxeneta, o proprietário de casas fechadas, salões de massagens, fornecedor de quarto de hotel ou de estúdios ... (Relatório de Jean Fernand Laurent,a pedido da ONU, 1983).

Como a escravatura, também a prostituição tem um aspecto económico. Ao mesmo tempo que é um fenómeno cultural enraizado nas imagens do homem e da mulher, veiculadas pela sociedade, ela é também um mercado forte e lucrativo.

A mercadoria é aqui o prazer do homem ou a imaginação desse mesmo prazer, esta mercadoria é a oferta da intimidade da mulher ou da criança. Também , o que é aqui alienado, na pessoa, é mais grave do que na escravatura ( no sentido habitual ) , pois nesta , aliena-se a força de trabalho e não a intimidade.

O negócio da prostituição rende ao proxenetismo milhões de dólares, porque a prostituição não se reduz a um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, é uma organização comercial com dimensões locais, nacionais, internacionais e transnacionais, onde existem três parceiros : pessoas prostituídas, proxenetas e clientes.

O Cliente
O cliente é proveniente de todas as classes sociais. O local onde procura a mulher é diferenciado. Varia consoante o seu poder de compra. Por exemplo numa zona pobre de prostituição, a clientela é constituída por trabalhadores com fracos recursos económicos. O preço da prática sexual está de acordo com o seu poder de compra, e, por isso, é pouco exigente no que diz respeito à aparência da mulher e ao seu comportamento. Há oscilações na procura, esta é intensa no princípio e no fim de cada mês, que é quando o cliente recebe o salário, vai diminuindo nos restantes dias.

Num hotel ou bar de luxo, o cliente tem poder económico. É exigente quanto à oferta: a maneira de se vestir e de se comportar da mulher, adapta-se à origem social do cliente. Não há oscilações na procura. Existe durante todo o mês.

A relação entre a mulher e o cliente é uma relação mercantil, o pagamento da prática sexual introduz a desculpabilização, o não compromisso, a desresponsabilização.

Afasta qualquer afecto. O cliente pode assim entregar-se às suas fantasias, à sua realidade interior - à sua não à dela - sem ter que se preocupar com o que ela sente, pensa ou deseja. Se aparenta fazê-lo, é apenas porque lhe convém dar à situação uma aparência de realidade. Mas o facto de o fazer “a fingir” não o compromete. Terminado aquilo que o contrato inicial previu, os dois intervenientes na situação separam-se, frequentemente o mais depressa possível. Não devem mais nada um ao outro... o dinheiro lá está para pôr os sentimentos à distância.

Dizem mulheres que conseguiram libertar-se das amarras da prostituição: “O nosso corpo não nos pertence. Está sujeito à vontade do chulo ( proxeneta) e ao desejo do cliente”

Da troca de experiências com Instituições Europeias que trabalham com mulheres prostituídas sabemos que a incidência da violação e/ou abuso sexual é :

Portugal 80 a 90 % entre os 8 e 14 anos
França 75 a 80 % entre os 9 e os 15 anos
Dinamarca 70 a 75 % entre os 10 e 16 anos
Holanda 50% entre os 9 e os 14 anos
Estados Unidos da América 85 % entre os 8 e 16 anos
Espanha 70 a 80 % entre os 10 e os 15 anos
Grécia 70 a 90 % entre os 8 e 16 anos
Colômbia 80 a 90 % entre os 7 e 12 anos
Brasil 79 a 95 % entre os 6 e os 14 anos

Num universo de 7000 mulheres em cada país e acompanhadas durante 10 anos (O método utilizado foi “histórias de vida”).

Legalizar a prostituição é conceder ao homem um poder legítimo de comprar o sexo a outros seres humanos.

Legitima-se a prostituição como um sistema de dominação pela normalização da mercantilização dos sexos e dos corpos.

Nesta lógica, centrar-se apenas no combate ao tráfico de mulheres legalizando a prostituição, é não compreender que o proxenetismo é inerente à prostituição e não se pode pensar na prostituição como um acto individual de uma pessoa que aluga o seu sexo por dinheiro, mas sim como um sistema económico, social e político que torna crianças, jovens, mulheres e homens prisioneiros de um sistema cruel de exploração sem limites.

É necessário combater as causas da prostituição e o tráfico, senão, permitam-nos a analogia, é como deixar de lutar contra a escravatura e o sistema esclavagista, para lutar, apenas, contra o tráfico de escravos.

O Ninho não se contenta, apenas, em “tomar posição”. Tem uma acção coerente e constante. E tem também grande atenção ao estado real da sociedade, assim como ao peso das ideias e dos costumes tradicionais.

É impossível construir uma sociedade humana livre sem nela integrar a humanidade plena da mulher, porque pela relação entre o homem e a mulher se pode avaliar todo o nível da civilização humana.

A pedagogia da mudança de mentalidades - do homem e da mulher - a luta pela mudança de comportamentos é um elemento indispensável no processo de emancipação da mulher.

A prostituição é o triunfo das desigualdades , com as mulheres a pagarem a parcela mais alta, onde permanece como o estigma do estatuto da mulher. É uma prática quotidiana da discriminação, do peso das tradições, dos preconceitos, da cultura, dos papéis historicamente atribuídos.

Lutamos por uma pedagogia da igualdade, por novos valores, por novas referências culturais, pela mudança de comportamentos e mentalidades, por novos relacionamentos entre seres humanos. É nessa base que a luta pela mudança de mentalidades e de comportamentos se integra na luta pela emancipação social.

A liberdade de cada um é a condição da liberdade para todos. Isto é, uma sociedade em que ninguém seja instrumento de um outro.

Princípios de O Ninho
Que a prostituição é uma violação dos Direitos Humanos, uma exploração que decorre das injustiças e desigualdades sociais (entre homens e mulheres, ricos e pobres, adultos e crianças).

Que não se combate a prostituição com medidas coercivas, mas por uma política social global, uma transformação das estruturas e uma mudança de mentalidades.

Que é uma empresa comercial gigantesca que despreza a dignidade humana em nome da rentabilidade financeira.

Que não se proíba a prostituição, mas sim que se reprima realmente o proxenetismo organizado.

Que legalizar a prostituição, é legalizar máfias e organizações criminosas, que traficam crianças, mulheres e jovens tornando-os escravos dos tempos modernos, apoiando a violência institucionalizada pelo Estado, tornando-o proxeneta pactuando com criminosos.

O Ninho defende:
A não comercialização do corpo humano.

Neste tempo de ideologia de mercado, impõe-se a recusa de o ser humano ser reduzido ao estado de objecto sexual, de um utensílio à disposição do cliente, a mercadoria num mercado nacional e transnacional.

A comercialização dos órgãos é proibida por lei. O consentimento das pessoas não valida estes actos.

O Desenvolvimento dos povos e uma cooperação Norte / Sul.
O crescimento (boom) da prostituição, nova forma de pilhagem do 3º mundo e dos países de leste, acompanhou a instauração de um liberalismo selvagem, do crescimento anárquico das cidades e da destruição das estruturas sociais, do tráfico das mulheres e das crianças.

O Ninho recusa uma luta contra a prostituição que vise apenas as crianças prostituídas. Sem dúvida que é urgente e necessária, mas é também urgente e necessário o combate à prostituição de pessoas adultas. Caso contrário, legitima a prostituição e as crianças tornam-se maiores de idade e passam a fazer parte do sistema prostitucional descansando as consciências.

É urgente uma política global, face à prostituição, que tenha por base:

O respeito dos Direitos Humanos

Reconhecida pela ONU como “uma forma persistente de escravatura”, a prostituição fere severamente e diariamente os direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente os direitos à liberdade e integridade física e moral.

Pela experiência no terreno, O Ninho sabe que a prostituição é uma das formas mais gritantes de violência exercida sobre seres humanos que cria traumatismos profundos e, por vezes, irreversíveis.

O Ninho apela a um compromisso político, social e cultural, uma frente comum de luta contra o sistema prostitucional, combatendo as suas causas e consequências.

Rejeita a distinção entre uma prostituição “ forçada” e uma prostituição “livre”, isto é, uma má e uma boa prostituição.

Esta distinção tem apenas por objectivo banalizar e legalizar a prostituição, dar-lhe uma “fachada“ de dignidade e, como consequência, legitimar o proxenetismo. A aceitação e a banalização da prostituição constituem o fundamento da legalização.

O desenvolvimento não se mede apenas pelo Produto Interno Bruto, mas fundamentalmente, segundo os critérios do Programa para o Desenvolvimento Humano : nível de saúde, de educação, integração social das mulheres, cultura...

Na altura em que as sociedades se batem pela paridade, pela representação social e política das mulheres, como resignar-se a acantoná-las na prostituição? Pode-se, ao mesmo tempo, entrar no Parlamento e no Bordel?

É preciso trabalhar para fazer emergir novas mentalidades.

Educar as crianças no respeito pela igualdade dos sexos , no respeito pelo outro e por si-próprio, no respeito pelo corpo.

Comprometer os media na adopção de uma ética de informação. A recusa da prostituição não diz respeito, apenas, a Portugal, mas também à Europa e ao conjunto do mundo.

Combater as causas da prostituição, a escravatura sexual e o tráfico inscreve-se nas orientações estabelecidas pela ONU - Igualdade, Paz e Desenvolvimento e na dinâmica do desenvolvimento dos povos.

Para O NINHO é urgente:
Consciencializar os jovens para as profundas violências infligidas às mulheres prostituídas e para a cruel realidade da prostituição. Que a prostituição constitui uma grave violação dos direitos dos seres humanos; que o corpo humano é inalienável e que não há prostituídas felizes.

A prevenção e a reinserção são claramente insuficientes.

Fazer prevenção através de campanhas de sensibilização como, por exemplo, nos meios de comunicação social, internet, espaços audio visuais, etc.

Implementar uma “porta de saída” através de uma linha telefónica permanente.

Implementar uma política de reinserção que associe atendimento, acolhimento, apoio em parceria com poderes públicos e associações que permitam uma acção coerente no terreno, porque reúnem representantes de diferentes serviços públicos e das associações implicadas.

Criar um Observatório Europeu da Prostituição, à imagem e semelhança do da droga. Serviria para avaliar esta problemática complexa e mal conhecida, para analisar as necessidades e promover acções concretas, reais e coerentes.

É prioritário aproximar as legislações nacionais e os sistemas penais, estabelecendo uma “definição comum” dos crimes, harmonizando os “níveis de sanções”.

Como afirmou o antigo Ministro do Interior Britânico, Jack Straw, “os únicos que podem ter qualquer coisa a temer de uma cooperação acrescida na Europa são os criminosos que exploram as diferenças entre as legislações”.

Actualmente, os proxenetas sujeitam-se a um mínimo de 6 meses de prisão (Portugal, Alemanha), dois anos na Irlanda, quatro na Dinamarca e cinco em França.

Nunca esquecer que não existe prostituição sem proxenetismo e que são as duas faces do mesmo problema. Prostituição e proxenetismo andam sempre de mãos dadas.

Assumir o compromisso com a formação profissional nos países de acolhimento e nos países de origem, quando são repatriadas.

Dar às pessoas prostituídas um verdadeiro estatuto de vítima que possa protegê-la e facilitar a sua reinserção social.

Penalizar severamente o proxenetismo organizado.

Dizer aos homens traficantes, proxenetas e clientes que todos exploram a mulher embora em graus diferentes.

O Estado deixa a missão da prevenção e sobretudo da reinserção social às associações sem lhes dar meios para a poder cumprir.

O título da capa da revista National Geographic de Setembro deste ano,2003, afirma que: há 27 milhões de seres humanos tratados como escravos. São os escravos do século XXI.

E o autor da reportagem afirma que o título não é uma metáfora. Falamos mesmo de escravos. Não de seres humanos que vivem como os escravos de há 200 anos. Falamos de 27 milhões de pessoas que, em todo o mundo,incluindo Portugal, são compradas e vendidas, exploradas e brutalizadas para dar lucros.

“Há mais escravos nos dias de hoje do que o número total de pessoas que alimentaram o tráfico negreiro durante quatro séculos. O comércio ilegal de seres humanos é um cancro moderno, uma operação financeira global que movimenta milhões de €uros e que rivaliza, em importância e em impacto na condição humana, com o tráfico de droga”.

Os filhos da pobreza alimentam mafias organizadas de exploração e tráfico de seres humanos. “Em muitos países, a maioria das pessoas tem de sobreviver com cerca de 1.5 €uros por dia, em situação de miséria que torna as comunidades vulneráveis a propostas cruéis e que motiva lucros desumanos, porque o corpo de uma mulher pode ser vendido vezes sem conta. Podem ser compradas jovens na Ucrânia, por cerca de 3.500€uros.” Fazendo-se passar por recrutadores de mão de obra os traficantes vão buscar vítimas às cidades pobres da Europa de Leste, atraindo-as com promessas de bons empregos. Quando as mulheres chegam são entregues a compradores que, por norma, as espancam, as violam, ou aterrorizam para garantir obediência”.

Dizia um proxeneta bósnio:
“É um crime vender mulheres?
Também se vendem jogadores de futebol, não é?”
Depois de uma rusga aos seus bordéis, queixou-se que as mulheres libertadas lhe custaram muito dinheiro. O empresário queria uma indemnização. Este proxeneta declarou estar ansioso para promover um esquema de legalização da prostituição na Bósnia.