Declaração política sobre seguro automóvel
Intervenção de Lino de Carvalho na Assembleia da República
1 de Abril de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

O Governo anunciou recentemente que os portugueses iriam passar a pagar menos pelo seguro automóvel na componente danos próprios, o chamado "seguro contra todos os riscos". Era a Lei Sócrates. Entrada em vigor a lei no passado dia 1 de Março os portugueses descobrem agora que afinal, ao contrário do que o Governo prometeu, estão a pagar mais - e nalguns casos bem mais - do que pagavam anteriormente pelo mesmo seguro. É uma nova versão, agora nos seguros, da anunciada baixa de preços nos telefones. Nos telefones como no seguro automóvel afinal a baixa ...é para cima ! É uma nova originalidade socialista.

Como todos estaremos recordados, numa manhã de um destes dias fomos acordados pelo Ministro José Sócrates que, nos noticiários das rádios, anunciava ao País a boa nova socialista: os prémios dos seguros automóveis iam baixar. Esperemos que o Governo, e o Senhor Primeiro Ministro em particular, venham agora dizer uma de duas coisas: ou que enganaram os portugueses ou, então que as Companhias de Seguros estão a violar a Lei e que o Governo vai actuar sobre elas. Porque a verdade é que alguém anda a enganar alguém.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O Decreto-Lei nº 214/97 de 16 de Agosto (a chamada Lei Sócrates) dispõe que o valor seguro dos veículos deverá ser automaticamente alterado de acordo com uma tabela de desvalorização periódica e que o respectivo custo do seguro - o prémio - deve ser ajustado à desvalorização da viatura. Mas o que está a acontecer é que apesar das tabelas de desvalorização os portugueses que têm contratados seguros com cobertura de danos próprios estão a ser informados pelas Companhias dos novos prémios de seguros que, invariavelmente, são mais elevados do que eram antes da lei. Por exemplo, um veículo com um ano de idade sofre uma desvalorização de 24% no seu valor mas o correspondente prémio não baixa de preço, pelo contrário, até sobe. Isto é o segurado continua, na prática, a pagar o seguro pelo valor da aquisição em novo. Mas se entretanto tiver um acidente o valor da indemnização em caso de perda total do carro é o correspondente ao valor desvalorizado da viatura. Para pagar às Companhias de Seguros os portugueses continuam a pagar um prémio como se a viatura fosse nova. Para receber recebem pelo valor desvalorizado. Grande negócio.

Mas há mais.

Como as tabelas de desvalorização do capital seguro são mensais e o cálculo do custo do seguro é feito anualmente o que acontece é que os segurados vão pagando durante o ano o mesmo prémio enquanto o valor comercial pelo qual a viatura está avaliada pela Companhia se desvaloriza todos os meses (2% ao mês nos primeiros 12 meses; 1% ao mês nos 24 meses seguintes; 0,5% ao mês no quarto e quinto ano de vida e assim sucessivamente). Escusado será dizer que, em caso de acidente, o valor pelo qual as Companhias de Seguros calculam a indemnização é o valor que decorre da desvalorização mensal.

Como é que é então possível que, com a nova lei, tão propagandeada pelo Governo, os portugueses ainda paguem mais pelo "seguro contra todos os riscos" do que com a anterior situação ?

É simples. Anteriormente as Companhias de Seguros não eram obrigadas a proceder à desvalorização automática do valor das viaturas. Só o eram no caso do segurado assim o exigir. Nestes casos o novo prémio era todo calculado com base no novo valor do carro e, consequentemente, descia o custo do seguro. Agora, a lei - ou ingénua ou propositadamente - permite a existência de duas componentes para o cálculo do preço final do seguro: uma taxa para determinação do prémio de cobertura de danos parciais - que são a maioria - que é calculada sempre com base no valor em novo da viatura e uma outra taxa para determinação do prémio de cobertura de perda total da viatura que é a única que expressamente a lei determina que seja calculada com base no valor comercial, isto é, tendo em conta a desvalorização da viatura. Como as Companhias de Seguros não estão a dormir - e a lei dá-lhes toda a latitude - encontraram aqui a sua galinha dos ovos de ouro: a parte mais grossa do custo do seguro (e da taxa de cálculo do prémio) incide sobre o valor da viatura em novo. O que sobra - que é a parcela mais pequena em taxa e em valor - é que vai incidir sobre o valor comercial (desvalorizado) da viatura . Como simultaneamente, as Companhias aproveitam para aumentar os prémios de modo a que a soma das duas parcelas seja superior ao que se passava anteriormente, o resultado é que os seguros, em vez da diminuição anunciada, têm aumentos que, nalguns casos, se traduzem mesmo em aumentos substanciais.

Entretanto os chamados seguros contra terceiros (os que só cobrem os danos alheios, integrados no conceito de responsabilidade civil obrigatória) também verão a sua situação relativa agravada como consequência da aplicação, por arrastamento, aos seus casos da tabela de desvalorização mensal da viatura sem sequer terem, nessa modalidade, a possibilidade alternativa de negociar outro valor de indemnização em caso de acidente ou exigirem a correspondente diminuição do custo do seguro.

A consciência por parte das Companhias de Seguros de que é intolerável este procedimento é tão grande que, em geral, terminam as cartas que estão a mandar aos segurados oferecendo-lhes despropositadamente a possibilidade, mediante obviamente o preenchimento de um exaustivo inquérito sobre a situação patrimonial e a carteira de seguros do cidadão, de ficarem habilitados a viagens à República Dominicana ou a qualquer outro paraíso desde que, bem embalado, sirva para iludir a manipulação da lei!!!

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

É uma evidência que, com os dados disponíveis, as Companhias de Seguros estão a agir de forma arrogante e concertada, no sentido de tornear a lei.

Mas é também evidente que só o fazem porque a própria lei lhes dá essa possibilidade.

O Ministro Sócrates, por ingenuidade, incapacidade jurídica ou propositada vontade política, elaborou uma lei prenhe de generalidades em que as questões concretas fundamentais para a garantia dos direitos dos consumidores - definição de taxas, componentes do cálculo do prémio de seguro, percentagem obrigatória de diminuição do custo do seguro em correspondência com a tabela de desvalorização da viatura - foi deixada para as Companhias de Seguros. A estas foi entregue a faca e o queijo !

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O Ministro Sócrates, parafraseando o seu homónimo filósofo, bem pode dizer que "só sei que nada sei"... De seguros, obviamente ... E por isso, o Governo meteu-se numa embrulhada de que os principais prejudicados são os consumidores portugueses.

Eu sei que o Ministro é jovem e tem a ambição de ir longe. Mas, Sr. Ministro, quando se meter com as Companhias de Seguros segure-se bem, rodeie-se de juristas competentes e isentos e não se preocupe unicamente com os anúncios simpáticos que todos querem ouvir e que é suposto dar votos ao Governo.

Porque a verdade é que o Governo enganou os portugueses que estão agora a pagar mais pelos seguros dos seus automóveis do que pagavam anteriormente.

O Ministro José Sócrates deve vir ao Parlamento explicar esta embrulhada e, para tanto, já requeremos a sua presença, na Comissão de Economia.

Mas o Primeiro-ministro, máximo responsável do Governo, não pode fingir, como é seu costume, que não é nada com ele. Numa matéria desta importância para os consumidores portugueses o Primeiro-ministro tem a estrita obrigação de explicar ao País o que se está a passar, de obrigar as Companhias de Seguros a cumprirem o que foram os objectivos anunciados da lei ou então a alterar esta.

Caso contrário é legítimo concluir que tudo isto foi preparado em conjunto entre o Governo e as Companhias de Seguros - de que as intervenções públicas de hoje do Ministro José Sócrates dando objectivamente cobertura ao comportamento das seguradoras parece confirmar - e que o Governo anda a fazer publicidade enganosa.

Disse.